Estação cercedilla

Conto de Fausto Amadigi
Ilustração: Theo Szczepanski
01/02/2012

Chego caminhando à Estação Cercedilla. Há um velho sentado no único banco livre junto à plataforma. Olha o calor que sobe dos trilhos. Ao seu lado, uma sacola com plantas. O velho e a sacola ocupam quase todo o banco. Peço licença, ele abre espaço escorregando para o lado. Sento à esquerda, na ponta. Sinto o cheiro que vem das profundezas do seu sobretudo preto, emanações de vários dias sem banho. Tem a expressão murcha das plantas que carrega na sacola e certo desamparo. É uma árvore antiga que caiu sem raízes; um espelho fosco passivamente absorvendo a luz com suas roupas escuras. Tira um lenço usado do bolso, limpa o nariz, guarda o lenço. Simula um gesto com as mãos, como se tocasse flauta, e assovia algo molhado entre os dentes que faltam na boca. Repete os mesmos movimentos várias vezes, obsessivamente. O trem apita longe, o metal dos trilhos chia antecipando a entrada na estação, as luzes piscam, as portas abrem. Embarco com outros poucos passageiros. Sento numa poltrona vazia num vagão vazio e olho o velho pela janela. Continua no banco acompanhado da sacola, mãos fechadas entre as pernas. O velho não espera o trem, espera algo muito mais remoto.

Fausto Amadigi

Nasceu em Querência do Norte (PR), em 1978. É autor de Cento e tantos poemas.

Rascunho