Enda Wyley

Leia os poemas traduzidos "Guerra", "Filha", "A garçonete se transformou", "A casa" e "Ferida de amor"
Enda Wyley, escritora irlandesa de poesia e literatura infantil
01/08/2024

Tradução e seleção: André Caramuru Aubert

War

Because the world
is quiet here,
because you nod
your head in sleep,
because I can turn you over,
place another blanket
across your midriff,
because the moth lands
on our oatmeal carpet
and is still in darkness,
because the wind howls
but there are no gunshots,
because we do not have to
cross borders
to a new, raw life,
or run out of numbers
to count our dead—
because of all these things
we know we are lucky
to rest here in our home,
the others not forgotten,
their bodies battered,
their bloodied noses
barely touching.

Guerra

Porque o mundo
por aqui está tranquilo,
porque você mexe
a cabeça enquanto dorme,
porque eu posso te virar,
e colocar mais um cobertor
sobre a sua barriga,
porque a mariposa aterrissa
no nosso tapete cor de aveia
e fica imóvel na escuridão,
porque o vento uiva
mas não há som de tiros
porque não temos que
cruzar fronteiras
para uma vida nova e amarga,
ou perder a conta
ao enumerar nossos mortos —
porque com tudo isso
sabemos que temos sorte
de podermos ficar em casa,
mesmo sem nos esquecermos dos outros,
dos corpos maltratados,
dos narizes a sangrar
sem nem nos comover.

Daughter

See me, standing at the bright
graffitied wall: U Are Alive.
And look up high to the man
leaning out his attic window.

He’s painting his sill white
for you to net on your phone.
Click. In the Iveagh Gardens,
frost is white dust on the statues.

A dog on the sunken lawn growls
at elephant bones buried below
by the zoo in nineteen twenty-two.
While further east, snow on the maze

swirls its way to the inner sundial.
I would chase you there, if I could—
find you as a small child again,
in the gaze of the boating tower,

the waterfall behind cascading
your future. A rock for every day,
for every minute that I follow you.

Filha

Olhe, estou de pé perto do resplandecente
muro com o grafite: Você Tá Vivo.
E olhe lá em cima aquele sujeito
apoiado na janela do sótão.

Ele está pintando a soleira de branco
para você se enredar no celular.
Click. No parque Iveagh,
o gelo é como poeira branca nas estátuas.

Um cachorro rosna, no gramado alagado,
para os ossos de um elefante enterrado
pelo zoológico em noventa e dois.
Enquanto mais a Leste, a neve no labirinto

rodopia em direção ao relógio de sol lá dentro.
Eu iria ali atrás de você, se pudesse —
para vê-la de novo, uma criança pequena,
observando a garagem dos barcos,

com a água caindo atrás, fazendo cachoeiras
do seu futuro. Uma rocha para cada dia,
para cada minuto em que a acompanho.

The waitress has transformed

The waitress has transformed.
Her flat hair curls,

Her pale lips redden.
She has seen your face

and transformed.
As I hide my face in your chest

I am jealous
that you continue to order more—

endives, guacamole, fettucine—
until in the sea of food I sink

to watch your place
a gherkin in her mouth.

A garçonete se transformou

A garçonete se transformou.
Fez cachos no cabelo liso.

Avermelhou os lábios pálidos.
Ela olhou para o seu rosto

e se transformou.
Enquanto escondo meu rosto no seu peito

fico com ciúmes
com medo de que você continue fazendo pedidos —

endívias, guacamole, fetuccine —
até que num mar de comida eu naufrague

para te ver colocando
um picles na boca da moça.

The house

You built this house in me;
when you left, I felt the rafters’ peak
grow and pinch below my appendix mark,
while from two chimneys further up
panic smoked along my heart pipes.

What can I do with you gone?
I let hours twist me on down halls
that stretch my skin inside out;
in other rooms half-built by you,
intruders squat on tasteless chairs.
—Don’t fool yourself, he won’t be back.

You will, you will.
I want to be a mammoth place
with wind rushing
your homecoming in—
and all my doors springing wide.

A casa

Você ergueu essa casa em mim;
e, quando foi embora, senti a ponta das vigas
a crescer e me beliscar na cicatriz do apêndice,
enquanto das duas chaminés lá no alto
o pânico soltava fumaça pelas tubulações do meu coração.

Como poderia eu lidar com sua saída?
Deixo que as horas sacudam os corredores
revirando do avesso a minha pele;
nos cômodos que você não deixou por terminar
intrusos acocoram-se em cadeiras sem charme.
— Não se iluda, ele não vai voltar.

Você vai, você vai.
Eu queria ser um lugar gigantesco
com o vento soprando
o seu regresso ao lar —
as minhas portas, todas, escancaradas.

Love bruise

Afterwards she found it by accident,
shaped like a huge cougar prowling below
the jungle basin of her pelvic bone—
a tawny bruise that rode
her outer thigh’s skin folds.

—I banged into a table edge,
a car door bit into my side,
where a knee-high daughter pinched
greedy for my attention, I bruised.

Days later it is fading—
becomes only a flash of pebble,
now purple, thumb-print size
under the waterfall roll
of dirt and suds from her morning shower.

—I grazed myself on the trellis nails,
rusty diamonds on the garden wall,
was hit by snowballs pelted at me
one school-closed January day.

She tells herself all these things,
over and over—even in her sleep.
They are easier than the truth:
the pain of your pull within her—
then away from her when you go.

Ferida de amor

No fim ela viu aquilo por acaso,
parecia uma grande onça rondando na
mata do seu osso pélvico —
um hematoma avermelhado que avançava
para as dobras externas da coxa.

— Eu bati na quina da mesa,
a porta do carro me pegou do lado,
bem onde minha filha menor me beliscou
querendo chamar a atenção, me machuquei.

Dias mais tarde ela está sumindo —
virou uma marquinha de nada,
roxa, do tamanho de uma digital
sob as águas em cascata
de sujeira e de espuma do banho matinal.

— Eu me arranhei nos pregos da treliça,
os rombos enferrujados na cerca do quintal,
fui atingida por bolas de neve que jogaram
em mim num dia sem aulas em janeiro.

Ela fica repetindo essas coisas a si mesma,
de novo e de novo — até mesmo dormindo.
São mais fáceis do que a verdade:
a dor da sua atração dentro dela —
e então longe dela quando você se vai.

Enda Wyley
Nasceu em Dublin (Irlanda), em 1966. É considerada um dos principais nomes da poesia irlandesa contemporânea. Professora e também autora de livros para crianças, Wyley já publicou seis livros de poemas e três de literatura infantil.
André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/DezembroA vida nas montanhas e Cemitérios, entre outros.

Rascunho