Tradução: Antonio Miranda e Ronaldo Cagiano
Pássaro abissal
Há um pássaro de vapor negro
que dá a volta ao mundo.
E há uma planta ainda mais negra
que envilece a água, o ar…
e cresce, cresce.
Há um pássaro de vôo letal,
bico letal,
com os vírus e anticorpos
necessários,
infundido já, confundido já,
que dá a volta ao mundo.
A poluição do ar e a poluição
do pensamento. A poluição
da mirada e a poluição
dos costumes. A poluição
do gene e a poluição
das nações.
Há um pássaro de vapor negro
que dá a volta ao mundo.
…
Macuro
Se fogo, vento, pedra,
ódio, amor ou água
devastassem estas ruas,
desde a costa até o último
iguana,
de nada serviria.
Cada rocha, cada folha,
cada luz
voltaria ao seu lugar
como foi desde sempre.
E essa é a nossa glória;
também a nossa pena.
…
Vejo meu país curvar-se
Vi meu país curvar-se, contrair-se,
de dor e asfixia
sob um infecto mar de propaganda.
A gente desolada queria acreditar
nos resplendores
e o país era uma festa
próxima
no destino ligeiro e cibernético.
Ninguém imaginava ficar pra trás
na revoada
que havia ultrapassado os limites
desnecessários e trágicos
da cultura de aldeia,
da economia de aldeia,
e de uma história
pérfida e frustrante.
Os malferidos e contundidos
e até insones e excluídos
— que todo renascer
traz consigo —
eram afastados da cena
com a cansada arrogância
de quem afasta um traste
ou algo que incomoda.
Vi curvar-se e contrair-se
de dor e asfixia
meu país
e vi os gestos
desbocados da absurdidade
e a inconsciência.