Tradução e seleção: André Caramuru Aubert
Rain
Curled on the sofa
in the fetal position, Jane wept day
and night, night and day.
I could not touch her; I could do nothing.
Melancholia fell
like the rain over Ireland for weeks
without end.
I never
belittled her sorrows or joshed at
her dreads and miseries.
How admirable I found myself.
Chuva
Enrolada no sofá
em posição fetal, Jane chorou dia
e noite, noite e dia.
Eu não podia encostar nela; eu não podia fazer nada.
A melancolia desabou
como a chuva sobre a Irlanda, por semanas
sem parar.
Eu nunca
fiz pouco de suas tristezas ou brinquei com
seus medos e seu sofrimento.
Quão admirável eu me achava.
…..
Moon Shot
With a drink in my hand
and my mouth turned down, I sat with Min
and Bill looking
at the television picture in July
of nineteen sixty-nine
as my life emptied like a bottle
on its side, glug glug
glug. In two months I would turn forty-one:
Hopeless, divorced,
abandoned, without love or my children, I
understood that my losses
were my own contrivance. I sat
drinking gin while snowy
Neil Armstrong fixed his indefinite
heavy enormous boots
to a ladder’s rungs and wobbled down
toward the moon’s scattered
rubble and boring surface. Who cared? If
he spoke from a sound-
stage in Arizona, who the fuck cared?
Tocando a lua
Com uma bebida na mão
e minha boca para baixo, eu me sentei com a Min
e com o Bill olhando para
a tela da televisão em julho
de mil novecentos e sessenta e nove
enquanto minha vida se esvaziava como uma garrafa
ao seu lado, glug glug
glug. Em dois meses eu faria quarenta e um anos:
desesperançado, divorciado,
abandonado, sem amor e sem meus filhos, eu
sabia que minhas perdas
eram artifício meu. Eu sentado
bebendo gim enquanto o imaculado
Neil Armstrong prendia suas indefinidas
pesadas enormes botas
nos degraus da escada e descia vacilante
para a superfície tediosa e de fragmentos
espalhados da lua. Quem se importava? Se
ele falasse de um estúdio
no Arizona, quem, por um cacete, se importava?
…..
Fame
When I interviewed Henry
Moore’s old friends for a New Yorker
profile, Edward
Bantam invited me to dine at his house.
I brought whiskey. The old
man remembered forty years back, young
art-student roommates
arrived from Yorkshire to London, sculptor
and portrait painter:
Edward Bantam’s portrait of Moore’s mother
hung in the dining room
at Henry Moore’s house.
But Ned Bantam
at forty converted
to surrealism. I looked; I looked
away. He told
anecdotes of friendship in bohemia
as we drank Glenfiddich
until his head fell forward, he wept,
and complained that Henry
remembered nothing of the old times,
but had to send me,
a stranger, to ask him about the years
friends worked side by side
for fame that would divide them forever.
Fama
Quando eu entrevistei os velhos
amigos de Henry Moore para um perfil para a
New Yorker, Edward
Bantam me convidou para jantar em sua casa.
Eu levei o uísque. O velho
homem se lembrou de quarenta anos antes, jovens
estudantes de arte e colegas de quarto
vindos de Yorkshire chegaram em Londres, escultor
e pintor de retratos:
o retrato que Edward Bantam pintou da mãe de Moore
está pendurado na sala de jantar
da casa de Henry Moore.
Mas Ned Bantam
aos quarenta se converteu
ao surrealismo. Eu olhei; eu olhei
para os lados. Ele contou
casos de amizade na boemia
enquanto nós bebíamos Glenfiddich
até que sua cabeça pendeu para a frente, ele chorou,
e lamentou que Henry
não se lembrava de nada dos velhos tempos,
e precisou me enviar,
um estranho, para perguntar sobre os anos
em que amigos trabalharam lado a lado
pela fama que os separaria para sempre.
…..
Letter in Autumn
This first October of your death
I sit in my blue chair
looking out at late afternoon’s
western light suffusing
its goldenrod yellow over
the barn’s unpainted boards —
here where I sat each fall
watching you pull your summer’s
garden up.
Yesterday
I cleaned up your Saab
to sell it. The dozen tapes
I mailed to Caroline.
I collected hairpins and hair ties.
In the Hill’s Balsam tin
where you kept silver for tolls
I found your collection
of slips from fortune cookies:
YOU ARE A FANTASTIC PERSON!
YOU ARE ONE OF THOSE PEOPLE
WHO GOES PLACES IN THEIR LIFE!
As I slept last night:
You leap from our compartment
in an underground railroad yard
and I follow; behind us the train
clatters and sways; I turn
and turn again to see you tugging
at a gold bugle welded
to a freight car; then you vanish
into the pitchy clanking dark.
Here I sit in my blue chair
not exactly watching Seattle
beat Denver in the Kingdome.
Last autumn above Pill Hill
we looked from the eleventh floor
down at Puget Sound,
at Seattle’s skyline,
and at the Kingdome scaffolded
for repair. From your armature
of tubes, you asked, “Perkins,
am I going to live?”
When you died
in April, baseball took up
its cadences again
under the indoor ballpark’s
patched and recovered ceiling.
You would have admired
the Mariners, still hanging on
in October, like blue asters
surviving frost.
Sometimes
when I start to cry,
I wave it off: “I just
did that.” When Andrew
wearing a dark suite and a necktie
telephones from his desk,
he cannot keep from crying.
When Philippa weeps,
Allison at seven announces,
“The river is flowing.”
Gus no longer searches for you,
but when Alice or Joyce comes calling
he dances and sings. He brings us
one of your white slippers
from the bedroom.
I cannot discard
your jeans or lotions or T-shirts.
I cannot disturb your tumbles
of scarves and floppy hats.
Lost unfinished things remain
on your desk, in your purse
or Shaker basket. Under a cushion
I discover your silver thimble.
Today when the telephone rang
I thought it was you.
At night when I go to bed
Gus drowses on the floor beside me.
I sleep where we lived and died
in the painted Victorian bed
under the tiny lights
you strung on the headboard
when you brought me home
from the hospital four years ago.
The lights still burned last April
early on a Saturday morning
while you died.
At your grave
I find tribute: chrysanthemums,
cosmos, a pumpkin, and a poem
by a woman who “never knew you”
who asks, “Can you hear me Jane?”
There is an apple and a heart-
shaped pebble.
Looking south
from the stone, I gaze at the file
of eight enormous sugarmaples
that rage and flare in dark noon,
the air grainy with mist
like the rain of Seattle’s winter.
The trees go on burning
without ravage or loss or disorder.
I wish you were that birch
rising from the clump behind you,
and I the gray oak alongside.
Carta no Outono
Neste primeiro outono de sua morte
eu sento em minha poltrona azul
olhando o fim de tarde lá fora
a luz no oeste espalhando
seu amarelo girassol sobre
as tábuas descascadas do celeiro —
aqui onde eu me sentei a cada outono
observando você preparar o seu
jardim para o verão.
Ontem
eu limpei o seu Saab
para vendê-lo. A dúzia de fitas
eu enviei para a Caroline.
Encontrei grampos e laços de cabelo.
Na sua caixinha de bálsamo Hill
onde você guardava moedas para pedágios
eu encontrei sua coleção
de mensagens de biscoitos da sorte:
VOCÊ É UMA PESSOA FANTÁSTICA!
VOCÊ É UMA DAQUELAS PESSOAS
QUE VIAJAM DURANTE A VIDA!
Enquanto eu dormia noite passada:
você pulou de nosso compartimento
numa estação ferroviária subterrânea
e eu te segui; atrás de nós o trem
geme e se agita; eu me volto
e me volto novamente para ver você soprando
uma corneta dourada soldada
num vagão de carga; e então você desapareceu
dentro da fantasmagórica escuridão.
Aqui eu me sento na minha poltrona azul
não exatamente observando o Seattle
vencer o Denver no estádio Kingdome.
No último outono sobre a Pill Hill
nós olhamos do décimo primeiro andar
lá para baixo, para a enseada de Puget,
no horizonte de Seattle,
e para o estádio Kingdome, fechado
para reparos. De sua armadura
de tubos, você perguntou, “Perkins,
eu vou viver?”
Quando você morreu
em abril, o beisebol retomou
novamente suas cadências
sob o estádio coberto com
seu teto remendado e recoberto.
Você teria se admirado
dos Mariners, ainda se segurando em
outubro, como ásteres azuis
sobrevivendo ao frio.
Às vezes
quando eu começo a chorar,
eu não dou bola: “eu acabei
de fazer isso.” Quando o Andrew ,
vestindo um paletó escuro e uma gravata,
telefona de sua mesa,
não consegue ficar sem chorar.
Quando Philippa chora,
Allison , aos sete anos, anuncia,
“O rio está correndo.”
Gus não procura mais por você,
mas quando Alice ou Joyce vêm visitar
ele canta e dança. Ele busca para nós
uma de suas pantufas brancas
do quarto de dormir.
Eu não consigo me desfazer
de seus jeans ou loções ou camisetas.
Eu não consigo perturbar as suas pilhas
bagunçadas de cachecóis e chapéus.
Coisas perdidas e por terminar permanecem
na sua mesa, na sua bolsa ou
na sua cesta de vime. Sob uma sacola
eu descobri seu dedal de prata.
Hoje quando o telefone tocou
eu pensei que era você.
À noite quando eu vou para a cama
Gus dorme no chão junto a mim.
Eu durmo onde nós vivemos e morremos
na cama vitoriana pintada
sob as pequenas lâmpadas
que você pendurou na cabeceira
quando me trouxe de volta
do hospital quatro anos atrás .
As luzes ainda incandesciam em abril
cedo, num sábado de manhã,
enquanto você morria.
No seu túmulo
eu encontro tributos: crisântemos,
margaridas, uma abóbora e um poema
de uma mulher que “nunca conheceu você”
e que pergunta, “Você pode me ouvir, Jane?”
Há uma maçã e um seixo
em forma de coração.
Olhando para o sul
a partir da lápide, eu observo uma linha
de oito enormes plátanos,
que queimam com fúria no escuro meio-dia,
o ar granulado com névoa
como na chuva do inverno de Seattle.
As árvores seguem queimando
sem danos ou perdas ou desordem.
Eu gostaria que você fosse aquela bétula
que se ergue da moita atrás de você,
e eu o carvalho cinza que está ao lado.
…..
After Homer
When I drove home
from Manchester airport
after two nights
away, Jane ran out
from the screen door
with Gussie cavorting
behind her. I felt
like the wanderer
returning after twenty
years to his wife
and his dog.
Stiff,
old, and alone,
I murder the suitors
all night each night
as they roister
in the stone hall.
Depois de Homero
Quando eu fui para casa
voltando do aeroporto de Manchester
após duas noites
longe, Jane veio para fora
pela porta de tela
com Gussie ziguezagueando
atrás dela. Eu me senti
como um viajante
retornando após vinte
anos para sua esposa
e seu cão.
Firme,
velho e solitário,
eu assassino os pretendentes
todas as noites a cada noite
enquanto eles ocupavam
o salão de pedras.
…..
Sweater
The second June afterward,
I wrapped Jane’s clothes
for Rosie’s Place
but I keep on finding
things that I missed —
a scarf hanging from a hook
in the toolshed, a green
down vest, or a sweater
tossed on the swivel chair
by her desk where
her papers pile untouched,
just as she left them
the last time she fretted
over answering a letter
or worked to end a poem
by observing something
as careless as the white
sleeve of a cardigan.
Suéter
No segundo junho após
eu empacotei as roupas de Jane
para o asilo da Rosie
mas eu sigo encontrando
coisas que eu deixei escapar —
o cachecol pendurado no gancho
do depósito, o colete
acolchoado verde, ou um suéter
jogado na cadeira giratória
junto à mesa onde
os papéis dela continuam empilhados,
como ela os deixou
na última vez que ela se agitou
para responder a uma carta
ou trabalhou para terminar um poema,
com os olhos em alguma coisa
tão insignificante quanto a manga
branca de um casaco de lã.
…..
Conversation’s Afterplay
At dinner our first night
I looked at you, your bright green eyes,
In candlelight.
We laughed and told hundred stories,
Kissed, and caressed, and went to bed.
“Shh, shh,” you said,
“I want to put my legs around your head.”
Green eyes, green.
At dawn we sat with coffee
And smoked another cigarette
As quietly
Companionship and eros met
In conversation’s afterplay,
On our first day.
Late for the work you love, you drove away.
Green eyes, green.
A conversa depois do sexo
No jantar de nossa primeira noite
Eu olhei para você, seus brilhantes verdes olhos,
Sob a luz das velas.
Nós gargalhamos e contamos centenas de histórias,
Nos beijamos, e trocamos carícias, e fomos para a cama.
“Shh, shh”, você disse,
“Eu quero enrolar minhas pernas em sua cabeça.”
Verdes olhos, verdes.
No amanhecer nós nos sentamos com café
E fumamos mais um cigarro
Tão quietos
Companheirismo e eros se encontram
Nas conversas depois do sexo,
No nosso primeiro dia.
Atrasada para o trabalho que amava, você foi embora.
Verdes olhos, verdes.
…..
The Painted Bed
“Even when I danced erect
by the Nile’s garden
I constructed Necropolis
“Ten million fellaheen cells
of my body floated stones
to establish a white museum.”
Grisly, foul, and terrific
is the speech of bones,
thighs and arms slackened
into desiccated sacs of flesh
hanging from an armature
where muscle was, and fat.
“I lie on the painted bed
diminishing, concentrated
on the journey I undertake
to repose without pain
in the palace of darkness,
my body beside your body.”
A cama pintada
“Mesmo quando eu dancei ereto
nos jardins do Nilo
eu construí Necrópoles
“As dez milhões de células felás
de meu corpo levam pedras
para estabelecer um museu branco.”
Assustadora, louca e terrível
é a fala dos ossos,
coxas e braços afrouxados
em sacos de carne desidratada
dependurados numa armadura
que foram músculos, e gordura.
“Eu estou deitado na cama pintada
diminuindo, concentrado
na jornada que enfrento
para repousar sem dor
no palácio das trevas
meu corpo ao lado do seu corpo.”
…..
The young watch us
The young girls look up
as we walk past the line at the movie,
and go back to examining their fingernails.
Their boyfriends are combing their hair,
and chew gum
as if they meant to insult us.
Today we made love all day
I look at you. You are smiling at the sidewalk,
dear wrinkled face.
Os jovens nos observam
As garotas olham para o alto
enquanto caminhamos pela sala do cinema,
e voltam a examinar as unhas das mãos.
Seus namorados enrolam seus cabelos,
e mascam chicletes
como se quisessem nos insultar.
Hoje nós fizemos amor o dia inteiro
Eu olho para você. Você está sorrindo na calçada,
querida e enrugada face.