Contos de Evandro Affonso Ferreira

Três contos de Evandro Affonso Ferreira
01/07/2001

Fu!

Ergo sum qui sum eu sou quem sou, lerda sim nojosa nojenta sim rasteante
sim goguenta sim insípida desenxabida sim molusco sim, mas você leitor animal racional altivo esbelto cheiroso inevitavelmente apressurado cuidado infarto chega de súbito, trapuz!

Cangalho

Já trazia há meses o riso recolhido, sentia que sua esperança se obliterava, estava indefeso diante dos desígnios impenetráveis dos deuses da longevidade que teimavam em espicaçar sua paciência até o imo, ipsa senectus morbus est, a própria velhice é uma doença, ó quantas moscas ele envisgou, ó quantas teias labirínticas magníficas ele entrelaçou, agora veja, querida, seu avô é mais um aracnídeo revelhusco que se suicida em seu próprio fio.

Encanzoada

Agora estou aqui sobre este tabuleiro pirangueiro ruminando lembranças resmoneando preces, igual Apolo também sofro de uma enfermidade que bálsamo
algum pode curar, meu coração é uma fonte de intérminas desesperanças, desenganos fluem às carradas, desalento exaure minha coragem minha rapidez minha sagacidade, o tempora, o mores!, o mundo se compõe de machos que se obstinam em arremedar humanum genus nunca jamais abrindo mão de suas ardentes febres de luxúrias, chega de treco-lareco azedumes queixumes cousa lousa, valha-me generoso Kan-tu-bzan-po, preciso quebrar incontinenti este silêncio de monges em claustro gritando a plenos pulmões: bem-feito extinto esposo lepidóptero sicofanta virou enfeite de bandeja kitsch.

Evandro Affonso Ferreira

Nasceu em Minas Gerais, em 1945. Está radicado em São Paulo há 40 anos. É autor, entre outros, de Minha mãe se matou sem dizer adeus, Grogotó! e Catrâmbias!.

Rascunho