Como piratearam meu pau

Conto de Alessandro Martins
Ilustração: Marco Jacobsen
01/04/2010

Para meu grande amigo Thiago, que sempre quis ser personagem de um de meus textos

Ele demora para atender, como sempre.

— Thiago, preciso fazer uma escultura.

— Claro… posso fazer pra você.

Tenho amigos mui solícitos.

O momento da dúvida, o favor prometido antes mesmo de sabido:

— Er… que escultura? — pergunta ele.

— É algo como uma escultura, não é bem isso… é… é de uma parte do meu corpo.

— Sei. Que parte?

— Eu digo quando chegar aí, ok?

— Péra. Diz agora!

— Tá. Ok… preciso de uma escultura do meu pau.

Silêncio do outro lado da linha.

— Do quê? Acho que não entendi direito…

— Do meu pau, Thiago… Cara, você é o único que conheço que entende dessas coisas. Só você pode me ajudar… E é o único de confiança que não vai espalhar essa história.

Era quase possível ouvir as engrenagens do cérebro de meu amigo engenhando todas as implicações daquela tarefa.

— Certo. Você está louco.

Não eu não estava. Acho.

— Meu, você sabe que eu vou ter que fazer um molde desse negócio.

Eu não lembrava desse detalhe.

Ele continuou a explicar. Basicamente ele teria que cobrir meu pau com um tipo de borracha — na verdade é um negócio chamado alginato, mas, ok, vamos chamar de borracha —, que solidificaria em temperatura ambiente. Depois de seca, ela seria usada como negativo a fim de produzir uma ou mais cópias iguais ao original que tenho entre as pernas.

Porém, para fazer isso, primeiro eu teria que ficar de pau duro. E ele teria que, comigo nesse estado, passar a tal borracha líquida que, em temperatura ambiente, ficaria também dura.

A perspectiva de ter um homem passando um negócio no meu pinto — com uma espátula que fosse — não me animou.

— Não tem como fazer isso comigo anestesiado?

— Cara. Eu sou artista plástico. Não cirurgião. E, depois, se fosse possível, quem preferiria ser anestesiado seria eu.

Tentei ser prático:

— Não tem como fazer como aqueles escultores antigos… Michelangelo? Eu fico ali na sua frente e você esculpe a coisa no mármore, com cinzel e martelo.

— Não vai ficar igual.

Os artistas modernos têm muitas dificuldades técnicas, pensei comigo. Mas não falei, para não magoá-lo nesse momento tão delicado.

Precisei explicar para ele. Dali a dois dias eu teria que fazer uma viagem de uma semana. Acontece que um mês antes eu comecei a sair com uma garota. Uma gostosa. Dessas de sair lágrimas dos olhos quando se olha pra ela. Emoção mesmo. Levei um tempo para levá-la para cama. Finalmente, tive sucesso. E sucesso não é apenas uma expressão. Ela ficou louca. Trepamos todo dia, pelo menos duas vezes.

Quando falei da viagem, distraidamente — enquanto observava o suor escorrer das paredes e os vidros embaçados da janela —, ela entrou em crise.

Disse que não iria agüentar. Que teria crises de abstinência. Que iria perder o emprego. Que teria que se aposentar por incapacidade. E que, muito pior, teria que dar para o primeiro que aparecesse na sua frente para me substituir.

Eu tentava acalmá-la, enquanto procurava eu mesmo me rearranjar daquela inesperada reação, quando a idéia surgiu. Eu deixaria uma cópia exata do meu pau para ela. Assim, eu poderia ligar-lhe toda noite e ela, com a cópia, meteria, digo, mataria a saudade.

E assim estava eu precisando da confidência de meu amigo escultor para tentar resolver o problema.

— Talvez não seja necessária a escultura — disse ele. — Se você quiser eu posso cuidar dela enquanto você viaja.

Claro que eu sabia o que isso poderia significar.

— Não, Thiago. Prefiro fazer um molde em chumbo derretido se for preciso.

Não era preciso.

— Está bem. Vou precisar que você compre o material.

Eu precisaria de 10 quilos da tal borracha — que lembrava aquele negócio que os dentistas usam para tirar o molde dos dentes —, obtida misturando uns produtos químicos.

— Dez quilos? Cara, tudo bem que eu fui um tanto privilegiado pela natureza, mas não é um pouquinho demais?

— Não. Eu tenho um plano para evitar qualquer contato físico com o modelo.

O ora modelo era meu pau.

Como ele não queria correr o risco de ser apanhado pela namorada nesse tipo de atividade, não fizemos o negócio na casa dele. Iríamos, naquele fim de semana à faculdade de artes, onde ele tinha acesso a um atelier que, naquele dia, estaria — supostamente — vazio. Além disso, muito do material que ele precisaria estaria ali.

Fui buscá-lo em casa.

Ele me estendeu duas pílulas.

— O que é isso?

— Viagra.

— Tá louco? Nunca precisei disso!

— Pois agora precisa. O negócio, na quantidade que vamos usar, demora para secar. Se você não ficar com esse pau duro por tempo o suficiente vamos perder o trabalho e o material todo.

— Mas duas?

— É pra garantir.

Tomei as duas pílulas.

No atelier ele montou todo o esquema. Colocou sobre dois cavaletes duas tábuas. Separadas, elas deixavam um vão entre elas. Pegou um balde, misturou os ingredientes e fez a mistura e colocou entre as duas tábuas.

— Agora preste atenção. Você tem pouco tempo, pois o material vai começar a se solidificar. Você vai fazer o seguinte. Quando ficar de pau duro, deite sobre as duas tábuas e coloque o seu pau no vão e enfie o pau no balde. A partir daí não se mexa e nem pense em ficar com o pau mole.

Comecei a baixar as calças.

— Espere aí — ele disse — não pense que eu vou ficar para ver isso. Já não basta que vou ter que ajudar você a tirar o balde para não perder o molde.

Ele saiu. Disse que ficaria vigiando a porta para evitar surpresas. Por mais que modelos nus fossem comuns na faculdade de artes, um sujeito com o pinto enfiado em um balde era um pouco demais para um sábado de sol.

Elevei meus pensamentos e com poucas balançadas, mesmo na situação pouco amistosa, consegui uma respeitável ereção graças aos dois comprimidos. Parecia mármore.

Deitei-me e acomodei o pinto na substância, que cedeu e o envolveu completamente.

Era geladinho.

Aliás era geladinho até demais.

Era menta. Eu devo ter comprado o tipo de negócio usado para dentistas.

Um adolescente, quando descobre a punheta, começa a inventar. Se você é do tipo aventureiro, deve saber a sensação de se passar pasta de dente no pau. Lavar é pior, pois a refrescância duradoura só aumenta. E o sorriso não é dos melhores.

Era aquilo que eu comecei a sentir.

Gritei de lá de dentro:

— Cara… demora?!

Ele colocou a cabeça para dentro, pela fresta da porta.

— Shhhh! Quer que alguém escute? — fez uma pausa — Putz. Eu esqueci a câmera fotográfica… — completou com um sorrisinho.

Decerto, queria registrar o momento para a posteridade.

Explicou-me que iria demorar uma meia hora ainda, pela quantidade de produto usada. Apagou a luz da sala — para eu relaxar melhor — e voltou para seu posto de vigilância.

Continuei a elevar meu pensamento a fim de manter a ereção e evitar imaginar que meu pau era uma pastilha de halls preto gigante.

Estava até obtendo sucesso. Comecei a relaxar mesmo e a curtir aquilo, sentindo-me já quase em casa.

Foi quando, de olhos fechados, percebi que o Thiago entrou e acendeu a luz.

Eu comentei:

— Sabe, cara, nunca pensei que um dia eu estaria numa faculdade de artes com o pau enfiado em um balde cheio de borracha sabor menta.

Silêncio. Estranho. Depois de um comentário desses meu amigo deveria falar alguma coisa ainda pior, como de costume.

Olhei para o lado e vi uma garota. Pelo que lembro, usava óculos. Tinha deixado cair uns papéis no chão e estava de boca aberta. Parecia em estado de choque. Buscava algum trabalho que havia esquecido ali na sexta-feira.

Atrás dela, apareceu o meu amigo. Tinha ido procurar uma câmera. Segurou o ombro da garota, com calma, e disse-lhe próximo ao ouvido em um tom um tanto desalentado.

— Nem pergunte.

Torci para que ela sofresse algum tipo de amnésia traumática para seu próprio bem.

Thiago entrou e fechou a porta atrás de si.

— Acho que está bom.

— Ufa. Não agüentava mais.

— Bem, vamos tirar esse negócio. Eu vou segurar o balde. Você agora precisa se levantar o mais próximo do… er… “ângulo de entrada” possível. E, devagar. Para não estragar o molde.

Fiz como instruído. Quando saiu, ouvimos um som oco, tipo “flop”, provocado pelo vácuo.

Vesti a calça e olhamos para o nosso trabalho. Aquele buraco era o meu pau no universo paralelo, a versão negativa dele, uma das partes mais importantes de mim como ela seria no mundo bizarro. Tinha cheiro de menta.

A partir disso ele poderia fazer diversas cópias do meu pau. Em gesso, em látex e disse, que se eu quisesse, com um pouco mais de trabalho, poderia fazer uma até mesmo em bronze. Eu respondi que deixaríamos o bronze apenas para os badalos dos sinos.

No fim, a coisa deu certo. Eu pude deixar uma cópia de meu pau com a gostosa e, pelo que vi, ela ficou bem feliz com o resultado. Meses depois, porém, terminamos. Mas isso não vem ao caso.

A surpresa mesmo veio depois de um ano.

Assistindo a um filme pornô uma coisa chamou minha atenção. Uma das atrizes brincava com um pau de borracha que me pareceu muito familiar.

Se tem uma coisa que eu conheço, é meu pau.

Aliás, conheço meu pau como a palma de minha mão.

E era isso. A atriz estava com uma cópia do meu pau. Olhei na capa do DVD e a produção era tailandesa. Não me pergunte como eu fui alugar um filme pornô tailandês. Pergunte-me antes como foi que uma cópia de meu pau foi parar na Tailândia.

Dei uma pausa em um momento em que se podia ver a coisa de perto. Coloquei o pinto do lado da tela. Eram irmãos gêmeos, de fato, inclusive as veias. Só que o outro era rosa-choque.

Liguei para o Thiago. Ele contou-me que depois de ter feito as cópias, esqueceu algumas por lá. Esqueceu o molde também. Óbvio que tudo sumiu.

Mais tarde descobrimos que a tal garota de óculos que nos flagrou havia começado recentemente a fazer um bico como balconista da sex shop ali perto.

Foi fácil ligar os pontos. Mas de comum acordo preferimos nem reclamar nem tirar satisfações.

Nem imagino que intrincada cadeia de ações e reações levou a isso, mas de qualquer maneira, para a coisa ter chegado à Tailândia, hoje cópias de meu pau devem estar espalhadas por aí, pelo mundo inteiro.

Talvez sua namorada já tenha brincado com uma delas.

Alessandro Martins

É jornalista e blogueiro. Edita vários blogs de cultura. Um deles é o Livro e Afins: http://livroseafins.com.

Rascunho