Subi a alameda doutor Muricy e virei à direita no cruzamento com a Cruz Machado, em direção à Catedral. Estava com pressa. No meio da quadra, parei para atravessar a rua, o movimento era intenso e alguns outros pedestres também aguardavam para fazer a travessia. Instintivamente, olhei para os dois lados, embora só fosse necessário olhar para o esquerdo, e dei um passo à frente quando julguei que fosse possível atravessar.
No instante em que dei o passo para fora da calçada, o tempo estancou, tudo ficou congelado, as pessoas, os veículos, as nuvens… Tudo estranhamente imóvel, como em uma fotografia. Tudo, menos um ônibus que, saído não sei de onde, vinha para cima de mim.
Do outro lado da rua, na cena “fotografada”, havia uma mulher com duas crianças. A mulher olhava em minha direção e as crianças sorriam o gozo de uma vida de brincadeiras, uma delas levitava em um pequeno salto, a outra fazia graça para um casal de velhos que caminhava próximo.
“Por que olhei para os dois lados?”, perguntei-me, pois, ao atravessar uma rua de sentido único, não fazia sentido olhar para onde fluem os veículos. Provavelmente, foi no momento em que olhava para o lado direito que o coletivo dobrou a esquina sem que eu o visse.
O lampejo dos faróis do ônibus avisou-me que ele continuava em movimento. E a lei da física, segundo a qual dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo, estava para ser colocada em xeque.
Em outra parte da “fotografia”, havia um homem que carregava uma pasta enquanto falava ao telefone celular, devia ser um executivo prestes a tomar alguma decisão importante, cujas preocupações não o deixavam enxergar o que acontecia à sua volta, seus olhos estavam focados no nada, longe. Também havia um grupo de jovens estudantes que queria se desprender da cena, e duas moças que saíam de uma loja com sacolas de compras e sorriam descontraídas.
Tudo paralisado! Em movimento, só o ônibus e meus pensamentos.
Senti que começava a suar. Revi a cena toda, e tudo permanecia no mesmo lugar, exceto o ônibus. A mulher com as crianças, os velhos, o executivo, os estudantes, as moças com sacolas e os demais pedestres; estavam todos cristalizados. Apenas o espaço entre mim e o coletivo é que se alterava.
O som da freada quebrou o silêncio da cena e revelou que minha situação estava no limite. Tomei consciência que não tinha mais nada a fazer, a não ser uma última tentativa de escapar da morte iminente, que dependia só de mim, e dei um passo atrás.
A cena descongelou, o silêncio foi preenchido, e o ônibus passou lotado! O motorista gesticulava e dizia impropérios. Os passageiros de olhos arregalados, grudados às janelas, passaram. Os outros pedestres que aguardavam na calçada iniciaram sua travessia e desviaram o olhar de onde eu me encontrava. A mulher e as crianças seguiram seu caminho, pulando e brincando. Os velhos sorriram para as crianças. O executivo tomou a decisão. O grupo de estudantes continuou seu debate. E as moças com sacolas de compras seguiram ávidas para outra loja.