CHORORÔ

Conto de Cesar Cardoso
Cesar Cardoso, autor de “Coisa diacho tralha”
01/08/2004

…Então, não quer mais brincar com a tia? Puxa vida, o meu príncipe não quer brincar comigo, ah, vou ficar muito triste, acho até que vou chorar, vou chorar sim, já tô até sentindo que o choro tá vindo, ele tá subindo por aqui, tá vindo mais pra cima, sente só, ó, tá sentindo bater? É o choro que tá vindo porque você não quer brincar com a tia, é, e esse choro é daquele grandão mesmo que quando chega não pára mais, é o choro-chororô, o maior de todos, sabia que o mar foi feito de choro-chororô? Foi sim, uma porção de tias que os sobrinhos não quiseram brincar com elas, daí elas tavam juntas num lugar que tinha muita mas muita areia mesmo e todas começaram a chorar o choro-chororô e três dias depois tinham feito o oceano, viu só como é? Pode acreditar na tia, você acha que a tia ia mentir pra você, logo pra você, o sobrinho que a tia mais gosta, assim, lá do fundo do fundo do fundo do coração? E olha, a tia nem ia falar nada mas tô sentindo que esse choro-chororô é dos bem grandes, deve dar pra encher esse quarto todinho, e agora? O que que a gente faz, caramba? Ah, a tia tem uma idéia, vamos pegar a sua bóia de piscina, vamos, oba! Não, não precisa ficar com medo que a tia sabe nadar e te ensina, e daí sabe o que a gente pode fazer? Pode brincar de boiar, pra ficar boiando no choro-chororô, você topa? Ah, então a tia te ensina, claro que te ensina, olha você nem imagina como é legal, você vai adorar e vai aprender rapidinho. Não, não é porque é fácil é porque você é o meu príncipe e sabe tudo, aprende tudo, não é? É sim, você é o garoto mais esperto que a tia conhece e como você é tão espertão assim vai logo botar a bóia pra não afundar no choro-chororô que tá vindo aqui por dentro da tia, não é? E então, onde tá a bóia, ah, tá dentro do armário, vamos lá achar, uma caravana até o armário, uma expedição, vamos lá, abre-te armário, olha tá logo aqui, mas que bóia bonita que você tem hein, eu nunca tive uma bóia tão bonita assim, puxa vida, deixa que a tia bota pra você, é só esticar um braço, isso, e agora o outro, muito bem, que garotão!, garanto que você faz um sucesso danado na piscina com essa bóia, hein? E o calção de banho não vai botar?, ué, vai nadar no choro chororô com essa bermuda, eu hein, meu pai do céu!, onde já se viu nadar de bermuda, parece coisa de maluco, seu, nadar é com calção, é ou não é?, então vamos achar esse calção, é um, é dois, é três eu acho que ele tá aqui dentro dessa gaveta, tá frio, tá quente, eu vou encontrar, eu vou, encontrei!, olha aqui que maravilha de calção que ele vai vestir, é mais bonito que a bóia, meu deus do céu!, todo amarelo, e agora vamos tirar a bermuda e botar o calção, atenção, a tia nem tá olhando, é um, é dois, é três e saiu a bermuda, muito bem, e agora o calção vem chegando, e deixa que a tia te ajuda a botar e ele tá pelado, meu deus do céu!, mas não tem problema ficar pelado não, pode até nadar pelado no choro-chororô junto com a tia, não precisa ter vergonha, pronto, a tia fica pelada também, pronto, e eu acho até que se você ficar aqui bem pertinho da tia pode ser que o choro-chororô vá embora, vamos tentar, então chega assim bem pertinho, assim, abraça bem a tia, nossa!, eu acho que o choro-chororô tá indo embora, ajuda a tia a mandar o choro-chororô embora, ajuda, é fácil, vai empurrando assim com a mão, isso, você sabe fazer direitinho, não é que eu tô sentindo ele descer, e eu acho que ele vai embora mesmo, caramba, não pára, meu príncipe, vai descendo e empurrando que ele vai sair todinho, assim, mais pra baixo, vai, não pára, isso, isso, isso…

Cesar Cardoso

É escritor e fotógrafo. Na década de 1970, foi um dos editores da revista de poesia Gandaia. Publicou em 1994 o livro de poemas A nossa moranguíssima paixão. Desde 2003, colabora com a revista Caros Amigos. É roteirista de TV, escrevendo atualmente o seriado Toma Lá Dá Cá, na Rede Globo. Os poemas aqui publicamos integram o livro inédito Coisa diacho tralha.

Rascunho