Bocó que nada

Conto de Luiz Lucena
01/05/2007

Caiu cedo aquele moço, mas tão bonito!, e ele que quase teve a chance de ficar pra sempre — mas pra sempre alguém fica? Sei não, sei nada. Minha tia acha que foi inveja. Demorei pra saber que inveja é uma coisa que a gente se queixa mas um pouco gosta, os que têm e os que merecem. Ruim é, mas passa.

Tão bonito aquele moço! De dar inveja.

Ele dizia coisas fartas, que ouvia tupi e se arrepiava. Tinha ouvido, sabe? E fazia a gente chorar, não sei por quê, contando uma história que ninguém entendia. E era linda!

Gostava, eu, ele, ela, gostava.

Ela apareceu de repente, né? Foi. E ficou. Ainda fica, ele é que caiu. Sentia inveja, coisa estranha, de mim. De mim!

Eu que tava lá sempre, ele perto, ela nada. Ele tentava, ela distraída, eu de botuca, longe, nada.

Um dia deu na paciência, desisti de ficar nessa de nada, e fui. Fui mesmo. E ainda vou.

Ela ficou perto, bem. Ainda fica. Cada vez que ela vem aqui, perto, cheiro e tudo, lembro da tia. Bom é dentro, ela dizia. Bom mesmo.

Mas dentro eu fico pouco, tou sempre fora. Não dá pra ficar sempre na espera. Vou fazer dinheiro. Pouco é mais que nada. Pra não ser bocó, sabe? Bocó assim, de reclamar deitado.

Ela, nada de bocó. Moça mais que ajeitada. Ela vem e vai sem se incomodar do esforço, diferente dele, só conversa fiada. Ela sabe por que ele caiu. Tão bonita, nem tem como de tão bonita! Tem. Tem…

De uns dias fiquei incomodado. Ela tava ficando pouco, sabe? Semana vai e nunca diferente.

Pensei: ele caiu foi de bocó. Foi. É o que ela fala. Minha tia dizia mais: bocó e rabo de gato, cuida pra não prender. Ninguém bocó, cuida.

E nesse tempo ruim, eu aqui e ela nada, não vinha e nunca entrava. Nunca. Eu tava de bocó. Desprendi.

Moça bonita, nem tem como! E cheiro e tudo! Nunca vi. Ela sempre criticava minha tia: agouro de gente! Nunca entendi. Sempre de paz.

Não tem que entender, né tia?, cachorro espumando e gente que ladra. Desprendi de graça.

Ela, nem pude sentir falta. Voltou cedo. Nem imaginava que tão cedo. Fiquei feliz. Demonstrei pouco, falei nada. Toda faceira chegou, trouxe bolo, fez empada, colheu rosa, parou dentro.

Ele? Importante, foi, ela fala. De dar inveja, eu calo. Mas inveja sempre se bate. E cai. Sobrou nada, o tempo passa. Ela ficou, dentro, agora, cheiro e tudo. Esqueceu de ir, né tia?, enroscou que nem galho, juntou denso, teimosia da vida, felicidade de enxurrada.

Luiz Lucena

É escritor, roteirista, ator e diretor teatral. Auto do livro de contos Dito (inédito). Dirigiu as peças Relato (texto de Kafka), Dédale et Icare (Fario Fo), O burguês fidalgo (Molière), entre outras.

Rascunho