Nada contra escrever poesia em mesa de bar. Camões escreveu toda a Ilíada e toda a Odisséia tomando café com bolinho de bacalhau na venda do “seu” Manoel.
Madame Flaubert, esposa de Gustave, escreveu “O Vermelho e o Negro”, criticando a atuação do Flamengo no Brasileirão, comendo croissants num barzinho que existia junto à l’Opera de Paris.
Alexandre Dumas escreveu os três Mosqueteiros (Mosqueteiro I — A Missão; Mosqueteiro II — A Luta Continua, e Mosqueteiro III — O Retorno) enquanto tomava pifões de absinto na companhia de Vincent Van Gogh, que o ouvia atentamente.
Jorge Amado jamais teria escrito “O Velho e o Mar” não fosse aquele barzinho de beira de praia, em La Habana, onde ele e Picasso se encharcavam de cachaça e água de coco.
Mário Sá-Carneiro desalojava suas idéias com balaços. Fizesse como Fernando Pessoa, que tomava o bom vinho do Porto na tabacaria da esquina, teria alcançado o sucesso com seu “Poesias Completas”.
Oscar Wilde não bebia, mas gostava de tomar. Preferia os barzinhos esconsos, onde tomava licor de framboesa às escondidas, enquanto escrevia seu “Memórias do Cárcere”.
Jamil Snege escreveu um único livro, “Joguem Minha Sogra do Trem” e ficou famoso. A inspiração para a obra deveu-se às milhares de doses de licores caseiros preparados pela senhora em questão, que o escritor ingeria no bar Stuart.
Manoel Carlos Karam escreveu na ala dos fumantes do Bife Sujo o imortal “Alho”, Prêmio Souza e Cruz, que lhe abriu as portas do sucesso e da ala reservada aos não-fumantes.
Cristovão Tezza é o autor de “Guerra dos Farrapos”, ou simplesmente “Farrapo”, que conta a saga de marinheiros bêbados que freqüentavam o Tragos Largos.
Paulo Leminski, o catatau dos bares vadios, escrevia sonetos para as meninas do Instituto de Educação. Nunca publicou nada.
Wilson Bueno bebia todas com seu tio Roseno, que um dia fugiu a cavalo em busca de bares menos freqüentados. Possivelmente em tierras paraguayas.
E Aurélio Benitz? Ficava na Velha Adega, comendo flores em vez de escrever.
Helena Kolody debruçava-se na amurada da Confeitaria das Famílias e olhava o sol mergulhar no mar. Escreveu um livro afirmando que andar em linha reta na direção do sol é o caminho mais curvo entre dois bares.
Walmor Marcellino elaborou “Malvas, Fráguas” tomando chá de maçanilhas no Café Cultura.
Dalton Trevisan escreveu “Drácula, o Vampiro” escondido na esquina do Instituto de Educação, num casarão que servia licor e sacanagem. É o maior pedófilo-literário do terceiro planalto.
Talvez por isso eu nunca tenha produzido um livro que prestasse: Eu não bebo.
P.S. Este texto é uma tentativa de resgate — resgate está na moda! — do que se produzia nos salões curitibanos, no começo do século passado. As pessoas reuniam-se nas tertúlias familiares e declamavam poesia de sua (delas) lavra, tudo muito sem cor, sem dor, sem cheiro — arte sorriso, que deu a Curitiba o epíteto com que ficou marcada: cidade-sorriso. Assim reza a lenda).