Tradução: André Rosa
Nenhum monumento se ergue em Bábi Iar.
Um penhasco íngreme, feito lápide áspera.
Tenho medo.
Hoje tenho tantos anos
quanto o próprio povo israelita.
Vejo-me agora como
judeu.
Eis que perambulo pelo antigo Egito.
E eu, pregado à cruz, pereço,
ainda tenho em mim as marcas de pregos.
Vejo-me como
Dreyfus.
O filisteu
é meu delator e juiz.
Estou atrás das grades.
Estou cercado.
Intimidado,
humilhado,
caluniado.
E as damas em rendas de Bruxelas berram
enquanto furam-me o rosto com guarda-chuvas.
Sinto-me como
uma criança em Bialystok[1].
O sangue escorre, se espalha pelo chão.
Chefetes de botequim em raiva desimpedida
entre cheiros de vodca e cebola.
Apanho com pontapés, impotente.
Aos carrascos[2], suplico em vão.
Enquanto berram
“Esmaguem os judeus, salvem a Rússia!” —
um muambeiro violenta[3] a minha mãe.
Ó, meu povo russo!
Eu sei —
vocês são
internacionalistas em sua essência.
Mas, aqueles cujas mãos são sujas
chacoalham com o seu puríssimo nome.
Eu conheço a bondade da sua terra.
Quão vil são os
antissemitas que suntuosamente chamam
a si próprios de “União do povo russo”!
Vejo-me como
Anne Frank,
frágil
como um ramo em abril.
E amo.
Não preciso de palavras.
O que preciso
é que nos olhemos nos olhos.
Tão pouco se pode ver,
cheirar!
As folhas nos são proibidas
e o céu também é impossível.
Podemos, contudo,
gentilmente
abraçarmos uns aos outros num quarto escuro.
Estão chegando?
Não tenha medo, são ruídos
A própria primavera
virá até aqui.
Venha até mim.
Depressa, me dê os seus lábios.
Estão quebrando a porta?
Não, é o gelo se partindo…
As ervas selvagens murmuram sobre o Bábi Iar.
As árvores soam sinistras
como num julgamento.
Há no silêncio um grito sem fim,
e, tirando o chapéu,
eu
encaneço aos poucos.
Eu mesmo,
feito um berro surdo e incessante
sobre milhares e milhares de enterrados.
Eu sou
cada velho aqui abatido à bala.
Eu sou
cada criança aqui abatida à bala.
Nada disso será esquecido
por mim!
Deixem a “Internacional”
trovejar
quando for enterrado para sempre
o último antissemita da terra.
Não tenho uma só gota de sangue judeu.
Mas, em seu ódio insano, todos os antissemitas
neste momento me odeiam,
como a um judeu,
e por isso
eu sou um verdadeiro russo!
[1] Região onde ocorreu um dos mais violentos pogroms, uma versão russa da Noite dos Cristais.
[2] No original, погромщик, palavra derivada de pogrom, que se refere àqueles que atacavam judeus.
[3] No original em russo, o verbo насиловать pode significar “coagir”, “constranger”, mas também “violar” e “estuprar”. Optei por manter a ambiguidade com a palavra “violentar”.