Últimos desejos
Preciso ainda encontrar
o acordeonista da Bulgária
o ventríloquo de Viena
o escafandrista do Marrocos
o sonâmbulo da Somália
o telepata da Patagônia
o míope etíope
a petúnia da Tunísia
o podólogo da Polônia
o apolíneo da Pensilvânia
o filólogo das Filipinas
o cabeleireiro de Galápagos
o cachaceiro de Cochabamba
o mameluco da Malásia
o eunuco de Pernambuco
o esquimó do Senegal
o café do cafetão bairrista
o apicultor de Capivari
o maiô da musa de Marataízes
o caricaturista de Caruaru
o motorista de Cariacica
o passadista de Paracambi
o sonetista da Avenida Augusta
o travesti de Itacolomi
o magnata da Macedônia
o calista de Bagdá
o cartomante de Belo Horizonte
a paranormal de Portugal
o charlatão da Chechênia
o anão albino da Abissínia
o rinoceronte da Romênia
o baobá do ABC
a piranha de Arapiraca
o periquito de Quito
o tico-tico de Tegucigalpa
um dia preciso encontrar
a maritaca de Acapulco
o capataz da Capadócia
e a felicidade
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Poema tirado de uma notícia de poema
João Gostoso era feirante, amasiado com Rosa. Ela não era flor que se cheirasse.
Um dia, cansado das traições, pegou uma pedra que tinha no meio do caminho do morro e a arremessou contra a mulher.
Rosa, rubra de sangue, chamou a polícia. João sumiu. Gostoso se tornou puro desgosto.
Nove anos depois, bêbado, concluiu que era hora de acabar com tudo.
E se atirou, nu, dentro de um poema de Manuel Bandeira.
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Visita noturna
Gosto dos fantasmas
Que morrem de susto frente a um ser humano.
Seus lençóis se arrepiam de medo.
Noite dessas, um deles veio, trêmulo, me visitar:
Dá licença?
Entra, Manuel, você não precisa pedir licença.
Pensei que fosse o poeta Bandeira.
Era o Venturoso rei de Portugal.
No crachá dos fantasmas
Deveria constar o sobrenome.
Poetas e fantasmas têm algo em comum:
Ainda que falem até a exaustão,
Poucos percebem
Que eles existem.