Poemas de Antonio Brasileiro

Leia os poemas "Poema" e "Olha, Daisy"
Antonio Brasileiro, autor de “Lisboa 1935”
24/12/2018

Poema

Não faças poemas
para que outros gostem.
(Todos nós gostamos
de nós, apenas.)

Não faças poemas
tristes, pesarosos.
(Todos somos sós;
tu não és menos.)

Faças (sim) poemas
sobre as nuvens altas.
(Mas que não te exaltes:
não vale a pena.)

…..

Olha, Daisy

Olha, Daisy, estou muito cansado.
Acho que não vou vê-la mais à noite.
Vou ler uns livros sobre alguns fantasmas
e rabiscar uns certos desconfortos.
Também quero arrumar uns papéis velhos
deixados nas gavetas da memória —
um homem nunca é mais que amargo espelho
a rebuscá-lo: farpa, sanha, horda
de animais medonhos. Olha, Daisy,
estou muito cansado, como disse,
e mesmo o amor da carne agora fez-se,
dentro de mim, sobejo à longa festa.
Meu espírito, vês, já açambarca
a matéria que sou. Já o que resta
é o homem em sua solitária barca.

Antonio Brasileiro

É baiano. Autor de Os três movimentos da sonata (poesia, 1980), Antologia poética (1996), Poemas reunidos (2005), Da inutilidade da poesia (ensaio, 2012), Memórias miraculosas de Nestor Quatorzevoltas (novelas e contos, 2013), Lisboa 1935 (poesia, 2018), entre outros. Membro da Academia de Letras da Bahia.

Rascunho