“Miseráveis. É a última vez que entram aqui pra caçar.” Chaya Sarampião acelera a caminhonete branca encardida, em cujas portas é possível ver o brasão da “Guarda-florestal — sema”. Segura firme o volante enquanto passa com destreza pelos buracos e pedras da estrada de terra enlameada.
“Hoje a gente pega eles”, fala para Ângelo Alves, o novo chefe do parque do Turvo, sentado ao seu lado, e para os outros dois guardas-florestais, Cláudio e Nestor, no banco de trás. Escutam disparos de arma de fogo e em seguida o grito agudo de um animal vindo da cascata do Sarampião, um dos pontos de mata mais fechada do parque. Chaya puxa o freio de mão, fazendo os pneus derraparem. O carro para atravessado. Ela desliga o motor. Os quatro descem com as pistolas em punho. Com um gesto, ela indica a retaguarda para Cláudio e Nestor. Por conta dos novos cortes no orçamento, os dois tiveram que comprar seus próprios coletes à prova de balas. Coletes usados, vindos do outro lado do rio Uruguai, de Moconá, na Argentina. Ouvem o som de um tiro seco. Avançam mato adentro. Se aproximam da base da cascata. O barulho da queda d’água retumba. No chão, uma anta de porte médio, mais ou menos de um ano de idade, sangra ainda viva. Cláudio e Nestor andam devagar, ao mesmo tempo em que olham ao redor, à procura dos caçadores. Quando chegam perto do animal, tiros são disparados na direção dos dois. As balas ricocheteiam nas pedras, uma delas atinge o colete de Nestor. Ele cai. Chaya e Ângelo revidam enquanto Cláudio ajuda o colega, puxando-o para trás do tronco de um cedro. Escutam gritos num portunhol típico daquela região de fronteira:
“¡Por favor, dejen de disparar! ¡Dejen de disparar!”
Ângelo para de atirar. Chaya continua.
“Cessar! Parou, soldada!”, Ângelo ordena.
Ela para, mas segue com a arma apontada para a frente.
“Apareçam com as mãos pra cima.”
Um adolescente com olhos arregalados surge com os braços levantados.
“Cadê os outros?” Chaya caminha até ele sem baixar a arma. O menino implora, “Ayuda”, e aponta para o arbusto com bromélias vermelhas às suas costas. Ângelo faz sinal para Cláudio e Nestor. Avançam com cautela até enxergar um homem estirado no chão. Ele geme. Há sangue em seu pescoço, se espalhando pelas folhas secas e pelo barro vermelho. Ao lado dele, um revólver calibre 38.
“Meliante atingido, capitão”, Cláudio avisa.
“Sinal dos outros jaguaras?”
“Nada, senhor.”
O adolescente, que segue na mira de Chaya, começa a chorar. Um choro atormentado pelo choque que o assombra.
“¡Ayuda!” Ele engasga com o próprio desespero.
Cláudio e Nestor pegam o homem baleado e o deixam ao lado do bicho já morto. O corpo inteiro do homem começa a tremer.
“Tá entrando em choque”, Cláudio diz.
Em segundos, o homem para de respirar. O menino, catatônico, cai ajoelhado e, num orar baixinho balbucia:
“¿Papá? ¿Papá? Despiértate. Despiértate, hombre.”