Poemas de Age de Carvalho

Leia os poemas de "Corcovado", "Últimos dias de paupéria", "A vocês,", "48, no aeroporto", "Finados", "Na ilha" e "Dois corações"
Age de Carvalho, poeta brasileiro
01/01/2011

Corcovado

Por que oras,
e oras,
de pé
ao pé da letra
ardente

que não te chama,
a boca vazia?

As cinco chagas,
um talho seco
na palma da pedra
apenas,
cobertas por nuvens
agora.

Últimos dias de paupéria

No chão do sonho
dormes na cozinha,
calça ruça-mostarda,
bolsa surrada de camurça
sob a nuca, voltada para Oeste,
onde faz semprenunca
lá fora,
de sábado a sábado —

é aqui,
agora, à boca dos fornos
onde
comes, cospes,
despertas ainda
sob a luma lugente
para o dia nenhum,
uma moeda de verdade contigo,
deitada,
a boca de lado.

Não acorda:
são teus últimos dias.

O que não quer
dizer nada —

o que
por si

já seria
o em-si do assunto

enquanto lavas
teu prato
e vês sentido
nisso.

A vocês,

de coração,
lego o jogo
da concórdia
entre irmãos que são —
longe de mim,
libertos então
de mim.

(Beijo a imagem:
verão, vocês
descendo a Gärtnergasse
em senso único,
pisando o chão do mesmo sangue,
manos, mãos
dadas).

Dobrada a esquina,
mundo-rei, chegam
notícias do front: eles
a postos,
cada um
latindo a sua missa,
a boca cheia
de Deus.

48, no aeroporto

É chegada a hora,

o estalo dum talo
em flor
ao abotoar o cinto,
tempo partido
sob os pés
antes do take off:

cumpres anos,
com a mangueira cantante
enterrada no ar
queres estar,
és não és, decides
e entre sinais luminosos
da carne em trânsito
decolas.

Finados

De madrugada
passa vazio, cheio
de sombras,
o Souza—Marambaia
todo iluminado

em frente
ao Goeldi —

ali, alheia entre
répteis, aléias e sonho
esplende a flor
da vitória-régia,
seu olho-açu, imenso
aberto no meio
da escuridão.

Na ilha

Vista do alto,
sob ciprestes,
a escada
embaixo espetada na rocha
rumo ao turquesapiscina
do mar,
em Rovinj,

donde agora
sais das águas
sorrindo,
no ombro brilhando
algo, alga
ou sarda, atum-kuna, uma moeda
de dúvida rolando perpétua,
cara e cara,
contra o sol.

Dois corações

brilhantes
sob um manto de palha
e a mirada
amiga do Macaco:
Kyoko-chan encomenda
a primavera
enquanto Takako,
grata-hospitaleira,
põe a mesa
em Charlottenburg-
Wilmersdorf,
março pingando ainda
dos galhos
nus,
lá fora.

Age de Carvalho

Nasceu em Belém do Pará, em 1958. Editou a página de poesia Grápho nos jornais paraenses A Província do Pará O Liberal entre 1983-85. A partir de 1986, passou a residir definitivamente na Europa, entre Viena e Munique, atuando como poeta e artista gráfico em diversas publicações austríacas e alemãs. É autor de Arquitetura dos ossosA fala entre parêntesisArena, areiaMóbilesCaveira 41, entre outros.

Rascunho