Corcovado
Por que oras,
e oras,
de pé
ao pé da letra
ardente
que não te chama,
a boca vazia?
As cinco chagas,
um talho seco
na palma da pedra
apenas,
cobertas por nuvens
agora.
…
Últimos dias de paupéria
No chão do sonho
dormes na cozinha,
calça ruça-mostarda,
bolsa surrada de camurça
sob a nuca, voltada para Oeste,
onde faz semprenunca
lá fora,
de sábado a sábado —
é aqui,
agora, à boca dos fornos
onde
comes, cospes,
despertas ainda
sob a luma lugente
para o dia nenhum,
uma moeda de verdade contigo,
deitada,
a boca de lado.
Não acorda:
são teus últimos dias.
O que não quer
dizer nada —
o que
por si
só
já seria
o em-si do assunto
enquanto lavas
teu prato
e vês sentido
nisso.
…
A vocês,
de coração,
lego o jogo
da concórdia
entre irmãos que são —
longe de mim,
libertos então
de mim.
(Beijo a imagem:
verão, vocês
descendo a Gärtnergasse
em senso único,
pisando o chão do mesmo sangue,
manos, mãos
dadas).
Dobrada a esquina,
mundo-rei, chegam
notícias do front: eles
a postos,
cada um
latindo a sua missa,
a boca cheia
de Deus.
…
48, no aeroporto
É chegada a hora,
o estalo dum talo
em flor
ao abotoar o cinto,
tempo partido
sob os pés
antes do take off:
cumpres anos,
com a mangueira cantante
enterrada no ar
queres estar,
és não és, decides
e entre sinais luminosos
da carne em trânsito
decolas.
…
Finados
De madrugada
passa vazio, cheio
de sombras,
o Souza—Marambaia
todo iluminado
em frente
ao Goeldi —
ali, alheia entre
répteis, aléias e sonho
esplende a flor
da vitória-régia,
seu olho-açu, imenso
aberto no meio
da escuridão.
…
Na ilha
Vista do alto,
sob ciprestes,
a escada
embaixo espetada na rocha
rumo ao turquesapiscina
do mar,
em Rovinj,
donde agora
sais das águas
sorrindo,
no ombro brilhando
algo, alga
ou sarda, atum-kuna, uma moeda
de dúvida rolando perpétua,
cara e cara,
contra o sol.
…
Dois corações
brilhantes
sob um manto de palha
e a mirada
amiga do Macaco:
Kyoko-chan encomenda
a primavera
enquanto Takako,
grata-hospitaleira,
põe a mesa
em Charlottenburg-
Wilmersdorf,
março pingando ainda
dos galhos
nus,
lá fora.