Palavra eu
súbito vem o desejo
de um poema em que não caiba
a palavra eu
mas ela desconfiada
salta para dentro da pura
intenção: haverá sabotagem
nesse ao redor
nesse céu de tanto azul
nessa mosca pesada e lúdica
batucando na janela?
tantas coisas prescindem
de mim
tudo é maior do que eu
e no entanto
este instante
em que se pensa isto
em que se escreve isto —
será menos do que
inequivocamente meu?
rés-do-chão
no fundo de cada coisa
o raso
no vasto de cada coisa
o ínfimo
no descampado o íntimo na nudez
um nem atinar com ela
no reles de cada coisa
o tudo dela
vida em revoada
no raso de cada coisa
o cavo
no ínfimo de cada coisa
sua extensão
no descompassado o ritmo na embriaguez
uma espécie de rés-do-chão
em meio metro
de qualquer coisa
um deus descalço
e bom
A saudade
a saudade não é da ordem do tempo
mas sim do espaço
não se trata de querer
rever revisitar reencontrar
(reiteração de verbos
num infinitivo infinito)
mas de algo da equipe do corpo
seu acervo de cheiro e ruído
seu buquê de seiva e voz
a saudade é da ordem do espaço
vago e é sempre hoje
e é hoje sempre
nesse seu breu
escavado
sabe-se como
debaixo das barbas do sol