Nós dividimos a casa e o homem. Ela é dona de todo o andar de baixo com a criança e o cachorro. Eu vivo de favor no andar de cima com meu gato. Nosso homem vive no ir e vir por entre os dois andares. Temos nossas regras. Podemos dispor do mesmo homem em momentos diferentes por escolha nossa. Não queremos ter o encontro os três ao mesmo tempo. Cada dois de cada vez e cada vez sem raspar as suscetibilidades de cada-nós. Não atendida plenamente no desejo, a parte saciada é fidelizada àquele macho quase competente.
O jogo é mais gostoso que a prática. Ele é obediente. Ela costuma cantarolar durante o banho, desafinada e com seu ar de altivez que só as mulheres como ela possuem. Ela tem um porão com máquinas de costura e da janela aprecia seu jardim de ervas, flores e frutíferas. Eu tenho um sótão com estantes de livros, com minha máquina de datilografia e meu computador de mesa. O porão e o sótão são nossos refúgios ou nossas prisões afora do homem que utilizamos. Ele procura a intertela quando quer se desintoxicar de nós. Eu escrevo a minha coluna semanal para o Diário de Fatos. Ela costura no porão roupas XGG de plush no inverno e de malha fria no verão. Nos entremeios nós nos compartilhamos — em parte. Ele a mim, eu a ele. Ela a ele, ele a ela.
Há na intertela que separa-une os dois andares microfuros. Deito na rede do sótão e acendo um charuto. A minha lupa aumenta o meu campo de visão; curvada miro pelo teto de vidro a bela desnuda-desprevenida no banho a cantarolar João Gilberto desafinadamente por entre cachos caleidoscópicos. Vezes percebo que ela usa um óculo na visão esquerda e mira para cima a observar minha calcinha de renda por baixo do meu vestido curto-rodado. Ela não se deixa ver espontaneamente em trajes menores. Eu sou quase sempre desnuda. Escuto a campainha. Ela solicita que a cliente XGG entre pelo corredor lateral da casa para receber o pijama de malha fria. Eu a olho e ela a mim. Escrevo. Ele é mantido por nós. Ele quase não sai da casa. Mas serve para muita coisa. Ele faz todo o serviço doméstico dos dois andares.
Nós nos bastamos os três. A criança e o cachorro são terrivelmente silenciosos e parecem (des)aparecer como marca d’água. Meu gato é algo esquizofrênico e vive no Nirvana. Nossas proibições e taras são sancionadas por nós duas. Eu solicito as minhas (todas) e as vejo-faço com o meu mais agudo prazer. Ela não soube articular as suas proibições e manias. Eu as fiz com engenho e ternura. Eu me desprendi de ter aquele homem de cabelos grises e barbudo só para mim. Ela faz dele sugador de seu leite quando a criança se sacia e dorme tranquila. Eu gosto da imagem daquelas mamas cheias, voluptuosas e pesadas derramando líquido branco-translúcido. Vejo tudo pela intertela.
Eu não derramo nada das mamas, meus derramamentos são da vulva. Jorro um líquido quase igualmente branco-translúcido, salgado e constante pela vulva. Nossa proibição gostosa arquitetada por mim e executada por nós é o destrançar de nós nos líquidos brancos em fractais. Os nossos nós não se fundem para formar o três. A maior delícia do sexo é uma espécie de domínio e autocontrole para divertimento do inconsciente. Assim gozamos a (des)pensada vida. O mamilo jorrando leite é algo que se assemelha ao olho do girassol espetacular saído do tempo com uma espécie de manjar amarronzado-agraciado. Ele bebe. Eu não anseio aquele leite. Eu vejo. Eu quero ver.
O prazer de ver o andar de baixo da casa. Percebo na intertela macro-microfuros. Em cada furo há muitos nós de nós. Lembranças, fotografias, vídeos de viagens. Como isso tudo começou?! Parece e perece da eternidade. Parece prece da ligeireza infinita do átimo. Eu deliro. Ela costura. Ele obedece. Eu leio. Eu escrevo. Escrevo e reescrevo. Proponho agora o encontro dos três. Dito as regras. O encontro. No andar de baixo o bebê adormecido, o cachorro em repouso e o gato em transe. No andar de cima, nós três. O sótão. O calor do sótão. A regra de três. A mônada é permissiva.
Roteiro pronto. Plano simples. Ela o envolve com uma força delicada. Ela manda. Ele refém. Ela ativa altiva. Eu sirvo a bebida de boca em boca. Dos meus lábios saem goles de champagne para ele e ordeno que ele sacie a ela. Eles se-nos-me obedecem. Ela sua. Seco sua face com uma toalha branca suave e áspera de nova. Ele dá duro no ofício de macho. Dos seios dela chispa leite. O espaço é a mônada. Dos meus peitos jorra mel. Mulheres antecessoras minhas me concedem a graça. Ele vê. Ela vê. Não ofereço aos dois. Ofereço ao filho que perdi primeiro, sempre o primeiro. Ele suga. Eles não veem. Eu em êxtase no ma-ter-nar. Eles assistem. Gozo como fêmea — no depois. Eles me banham de leite e de sêmen. Bebo o mel da abelha, Rainha mãe, com devoção. Grito aos dois e a cada um: me toquem ou não me toquem.