A quarentena

Uma crônica sobre as dificuldades do cotidiano e esperanças em meio à pandemia
20/06/2020

Ouvi dizer que ficar trancada em casa com o marido já deu mais separação do que dá conta a capa da Caras. A quarentena já deu mais brigas de vizinhos do que sapo em brejo. Sim, aquela senhora ranzinza do primeiro andar não tem mais nada para fazer além de reclamar das crianças que existem no bairro, no prédio, que quem pariu Mateus que o balance e por aí vai. Nunca houve tantas reclamações dos pais com as escolas dos filhos, que mandam muito material que demanda ajuda dos adultos, ou que não mandam material para ajudar os adultos, ou que fazem live, ou que não fazem live. A turma do trabalho nunca reclamou tanto com a empresa, que quer que você trabalhe em casa, fazendo live com os filhos, atendendo a vizinha ranzinza e discutindo a louça com quem sujou — ou sujando a louça de quem lavou. E, no meio, o cliente telefona. E seu filho está no penico, e chamando. Desculpe, tenho filhos. Imagina, eu também, eu entendo (e onde catzo eles estão agora?!).

E além da escola, da vizinha, da louça e do penico, do cotidiano todo, do trabalho e da vida, têm as coisas graves. As notícias que chegam pelo computador, televisão, telefone, embaixo da porta, até pela janela. Gritos abafados ao longe, e lembramos dos perigos do aumento da violência para aquelas que não podem sair. Para as crianças que não podem falar. O desemprego. O desespero. A desesperança. O desamparo.

E temos também o poder, a política, os polos, as fakes, generais, capitão, um cabo e um soldado. Invadirão?

E o coronavírus. Sem antivírus. Habemus vacina? Remédio, cura? ¿Hai respiradores, vagas?

Tem tudo isso. E não tem. E dá aquele aperto, cansaço, temor. Mas é preciso dizer, há também o amor.

Escutei que muitos namorados estão passando a quarentena juntos, e estão se conhecendo, e já agora moram juntos. E estão até esquecidos de lá fora. Vi notícias de que muitos vizinhos estão se ajudando, e antes não se conheciam, nem queriam se conhecer. Vários dias o morador do 22 deixa alguma entrega aqui na minha porta, e na porta do 72, e do 81. Alguns vizinhos avisam que estão recolhendo doações, pois vão doar aqui e ali. Muito bom, aproveitamos para tirar as roupas que estão lá no fundão, sem vestir ninguém. Ah, não se pode esquecer da escola. Se comprometeram a não reduzir os salários de ninguém, e a acolher as famílias que perderam suas rendas. E mandaram um cardápio de brincadeiras! E de livros, e com músicas. E criaram canais, se desafiaram, apostaram. E, no meio de tudo isso, um avô que nunca cozinhou, nem lavou, só fatiou e beliscou, resolveu juntar a farinha, a manteiga, e amassar a massa, e a fazer bolacha. E achar, ainda por cima, nisso tudo, graça!

A onda vem, é dura, é alta, mas passa. Vai passar. Esperamos, contudo, que algumas novidades venham para ficar.

Mariana K. Kruchin

Socióloga e advogada especializada em Terceiro Setor, mestre em Sociologia Jurídica.

Rascunho