A poesia está morta. Viva a poesia! (1ª parte)

Os versos são do espanhol Luis Rosales. Vieram-me à cabeça porque acabo de reler a versão definitiva de sua obra-prima, La Casa Encendida (1971), cuja primeira versão Rosales publicou em 1949
01/08/2000

Cada vez que se escribe un poema
tienes que hacerte un corazón distinto,
un corazón total,
continuo, descendiente,
quizás un poco extraño,
tan extraño que sirve solamente
para nacer de nuevo.

Os versos são do espanhol Luis Rosales. Vieram-me à cabeça porque acabo de reler a versão definitiva de sua obra-prima, La Casa Encendida (1971), cuja primeira versão Rosales publicou em 1949, pela Editora de Cultura Hispânica (Madri).

Num novo século de ouro para a lira espanhola, Luis Rosales foi um dos que nos ensinaram que ênfase não é poesia — e que a verdadeira, a que aspira ao silêncio (e em nenhum momento pode ser confundida com a que se acrescenta ao mundo como mais ruído, mais rumor de palavras), é ânfora rara, no fundo de falsas preciosidades do mar da literatura.

Poesia é não só “inútil”, senhores; pior, é insuportável — quando não é poesia. E poesia nunca é o que em geral se pensa (que seja — aspas —“poesia”) etc.

O que é poesia?

Talvez só possamos dizer — como de Deus — o que ela não é. Mas eu acredito que todo poeta sabe quando acabou de escrever um bom poema, que se acrescenta à realidade — o que, convenhamos, raramente se dá (em toda uma vida de dolorosas tentativas). Para isso, para escrever esse bom poema — necessariamente verdadeiro, como o é La Casa Encendida — julgo ser imprescindível:

1. Olhar.
2. Olhar e esquecer (em seguida) o que viu.
3. E lembrar — algum dia.
4. Nesse meio tempo, ter pescado, ou ter visto pescar (e não pretender escrever poesia sobre isso).
5. Compreender que os gatos procuram restringir os gestos a uma elegância total-e-mínima ao mesmo tempo.
6. Pensar.
7. E esquecer, é claro, o que pensou. Nenhuma premeditação fria.
8. Mas compreender o mais possível o mar, a solidão dos animais e das estrelas — sem adocicar o espírito com sentimentalismo (sobre isso ou sobre qualquer outra coisa, pois poesia não vem do que “sentimos”)…
9. Ter lápis & papel (ou um graveto, ao menos, para escrever na areia).
10. Não ter sequer lápis & papel, nem graveto, mas possuir a própria alma

oooOooo

Mudando de tom, mas não de assunto:

Pesquisa feita nos Estados Unidos revelou, em 1989, um dado “surpreendente” mesmo para um país cujo público leitor sempre prestigiou a poesia escrita ou lida para auditórios atentos: 50 mil poetas — vivos —haviam publicado cerca de 55 mil livros de poesia, no período (quinze anos) levantado pelos pesquisadores.

Na época, o poeta Gerardo Mello Mourão informou que um amigo seu, de posse dessa informação “espantosa”, resolvera fazer levantamento semelhante no Brasil, e obtivera, após um ano de pesquisa (certamente com menos recursos etc) o dado brasileiro, não menos surpreendente: de 1970 a 1990, o número de livros de poesia publicados no país — “por poetas supostamente vivos” — seria da ordem de 18 mil títulos!

Segundo o raciocínio do pesquisador (e de Gerardo), tal resultado implicaria em se multiplicar por três, razoavelmente, a quantidade dos nossos poetas, ao se considerar os que ainda não haviam conseguido editar as suas obras. Seria também razoável supor — segundo o autor do País dos Mourões — que cada poeta tupiniquim, inédito ou publicado, faria supor mais dez pessoas do seu círculo familiar etc., de algum modo introduzidas ao convívio com a forma poética, o que levaria à projeção, facilmente, de um universo de meio milhão de leitores interessados num gênero de expressão literária que, já no século XIX, era dado como “fora de moda”, por escritores como Flaubert e outros.

Agora, raciocinemos em termos atuais: como tais dados são anteriores à Internet — onde proliferam sites e mais sites literários — teríamos que considerar esse fato novo como um elemento multiplicador considerável, cuja presença recente sem dúvida altera (para muito mais) todo o quadro pesquisado até 1989, nos EUA e aqui na taba onde o Jornal de Poesia — do cearense Soares Feitosa — surgiu logo entre os nossos primeiros endereços internáuticos. Considerando todos esses dados, podemos ter como certo o aumento, real e virtual, de um publico “consumidor” de poesia que jornais, revistas e editoras de fato subestimam ou solenemente ignoram.

Fernando Monteiro

É escritor, poeta e cineasta. Autor de Aspades, ETs, etc., entre outros.

Rascunho