A leitura final

Conto de Ezequiel Díaz Savino
01/07/2005

No século 17, a extensa zona dos bosques de Baviera, na Alemanha, foi governada, por vinte e cinco anos, pelo rei Magnus Schiller. Naquele tempo, os moradores dessas terras viveram sob o controle de um kaiser implacável, de mão de aço. Tanto que, por lá, virou costume pendurar pelo pescoço, na praça principal do seu castelo, aqueles que não pagassem os elevadíssimos impostos cobrados pela corte.

Uma tarde, quando ainda faltavam cinco horas para o ocaso, o temível imperador sentou-se, como de hábito, em sua poltrona de couro de onça, ao pé de uma janela que lhe deixava ver todo o vale de Beriam. A paisagem dos pinhos vermelhos — que pouco a pouco se misturavam, em degradê, aos amarelos, até chegarem ao lago dos cisnes — permitia ao rei ler, relaxado, os contos que encomendava aos escritores mais eruditos da Europa. Embora houvesse pago até mesmo Shakespeare por uma obra exclusiva, seu ilustrado predileto era Olson Milher, que morara muitos anos em seu reino e fizera parte de sua corte. O escritor, poeta e dramaturgo havia escrito seus melhores contos para o rei alguns anos atrás, mas, para ele, tudo tinha acabado no dia em que se descobriu a relação secreta que mantinha com Sedel, a primeira filha do dono do trono de Baviera.

A relação foi proibida. O rei Magnus dispensou da corte o escritor e o expulsou da Igreja Luterana. Durante cinco anos, Olson foi perseguido pelos soldados do rei e não teve melhor alternativa que o exílio.

Apesar da inimizade nascida entre Magnus e Olson, antes de deixar sua terra, o escritor dedicou sua última obra literária àquele que colocara sua cabeça a prêmio. Tratava-se de uma historia de paixão secreta em que os amantes eram forçados a se separar porque suas classes sociais não podiam misturar-se. Sangue nobre e sangue da plebe.

Cansado de fugir e sem saída ante a perseguição da família real, o homem decide mudar o trágico destino. Depois de fazer um pacto com sua amada, todo o plano fica combinado. O punhal entraria só uma vez e o corte seria certeiro. A distância do bosque, desde os pinhos vermelhos até os amarelos, o tempo da remada para cruzar o lago, tudo foi calculado, minuto a minuto. Passaria pela entrada justo na hora da troca da guarda, andaria veloz pelo corredor e subiria duas escadas até o salão principal. Ao fundo, atrás da única porta, a vítima estaria esperando, como era de seu costume, lendo confortavelmente em sua poltrona de couro de onça, de frente para a janela, ainda faltando cinco horas para o ocaso, mas com seu tempo de vida ajustado para chegar até o ponto final de sua última leitura.

Ezequiel Díaz Savino

É argentino. Trabalha como jornalista em Buenos Aires.

Rascunho