A batina do padre

Conto inédito de Lula Arraes
Ilustração: FP Rodrigues
01/06/2022

Entrei no colégio interno aos dez anos de idade. Saí de lá aos dezessete. Meu pai, minha mãe achavam que, interna, eu estudaria mais.

Entrei como se entra num mundo estranho ou como um estranho num mundo novo.

Minha chegada, junto com meus pais, coincidiu com a hora do recreio. Todos, alunos, bedéis, professores, padres, nos espreitavam.

Tínhamos uma reunião com o diretor e já carregava comigo minhas roupas e outros pertences.

Assustada, levada pela mão de minha mãe, não sabia de nada.

Onde estava, o que me esperava.

A conversa com o diretor foi seca e direta. Ele ditou as normas, as obrigações, enalteceu os estudos do colégio, puxadíssimos, segundo ele.

Meu pai ouvia com atenção.

Eu preferi olhar a sala de lambri, de madeira escura, a imensa biblioteca e a galeria de fotos de personagens antigos. Havia pinturas também de gente antes do advento das fotografias.

Uma mostra da tradição do colégio.

Visitamos as instalações em detalhe.

Eu já estava cansada.

O diretor notou que se alongava e encerrou o assunto.

Conduziu meus pais até a saída. Meus pais me abraçaram como forma de despedida.

Passei lá sete anos, saindo uma vez por mês para casa.

Até sua morte, meu pai, quando olhava para mim, dizia que me achava triste, que eu era uma mulher triste.

Eu jogava um sorriso para ele, os pensamentos absortos em lembranças.

Não sei se acrescenta algo à minha história que eu nunca me casei, que nunca — como se convenciona dizer — tive relações sexuais.

Lula Arraes

Nasceu no Recife (PE). É médico, professor e pesquisador. Tem contos em antologias e revistas literárias e publicou, entre outros livros, Palavra por palavra, O rastejador, O desaparecido, A noite sem sol e Dicionário de silêncios.

Rascunho