Nascido em Pernambuco, em 1971, José Luiz Passos é um dos mais importantes prosadores brasileiros. Reside há duas décadas nos Estados Unidos, onde leciona Literatura Brasileira na University of California (UCLA). Publicou os romances Nosso grão mais fino, O sonâmbulo amador e o recém-lançado O marechal de costas, que narra a vida do marechal Floriano Peixoto, o primeiro vice-presidente do Brasil a assumir a presidência, após a renúncia de Deodoro da Fonseca.
O romance se notabiliza pelo acurado trabalho com a linguagem concomitante à intensa pesquisa histórica. Ao lançar mão de arquivos e biografias sobre marechal Floriano, Passos recria um personagem pouco explorado nos livros de História, fazendo desta figura um herói controverso — e, por isso, demasiado curioso e empolgante.
Na entrevista a seguir feita por e-mail, o autor fala sobre o processo de criação e pesquisa em torno da obra, a literatura brasileira vista no exterior, o trabalho como prosador e ensaísta, os limites entre a ficção e o relato histórico, além da dolorosa batalha contra o câncer e a influência da doença em sua escrita.
• O marechal de costas chegou às livrarias dentro de um cenário bastante turbulento da nossa política brasileira, e trouxe à tona um romance importante, que não só fala de um contexto histórico vivido nos primeiros anos do Brasil República, mas que evoca também a atual realidade sociopolítica e econômica brasileira. Como foi chegar até a figura do marechal Floriano Peixoto, esmiuçando-o a ponto de criar esse projeto ficcional de cunho histórico que nos mostra o quanto vivemos um anacronismo cultural no que tange as relações que circundam o governo, a população e a nossa chamada democracia?
Em 2013, enquanto passava uma temporada no Brasil — mais especificamente em Salvador, com um grupo de estudantes da UCLA —, uma longa série de protestos, debates e investigações passaram a dominar a pauta da vida pública brasileira. Aqui nos Estados Unidos, guardadas as proporções e de diferente maneira, algo semelhante acontecia. A partir de então, senti vontade de escrever algo voltado para a vida política do país. Além disso, sempre pensei em escrever uma história que se passasse no século 19. Estudo e ensino Machado de Assis há tantos anos e, mesmo assim, ainda não havia tentado explorar a ficção histórica. Recebi um convite da revista Granta para escrever um conto sobre a traição — tema do número — e optei, dadas às razões que acabo de mencionar, por contar a história da execução de um marinheiro pernambucano, Silvino de Macedo, condenado por Floriano Peixoto logo após a Revolta da Armada. O conto é baseado num panfleto que denuncia a sua execução e que circulou no começo do século 20. No conto, há a presença dura e silenciosa do marechal Floriano, isolado e sentencioso. Marcelo Ferroni, meu editor na Alfaguara, gostou de uma das cenas em que o marechal aparece e me perguntou se eu não estaria disposto a escrever um romance sobre Floriano. A grande vantagem de se ter um bom editor é que que eles adivinham as nossas vontades. O projeto acabou indo adiante e, acredito, deu certo.
• Embora haja grandes autores que já utilizaram a literatura para trazer à tona momentos sombrios de nossa história, existe ainda uma carência de romances que discutam com grande inteireza nossa política brasileira, dando ênfase à historicidade de nossos governantes, por exemplo, e às particularidades de um determinado momento político da sociedade. Na sua opinião, por que ainda se escreve tão pouco sobre tais temas na atual literatura brasileira? Seria algum tipo de reserva dos nossos prosadores ou uma falta de interesse e até mesmo de tradição literária?
Não acho que se trate de reserva nem de falta de tradição. A literatura é uma prática de comunicação coletiva. Há temas e formas que chegam a ser recorrentes em alguns lugares — países, regiões ou línguas —, mas em outros, não. Por exemplo, na literatura hispano-americana existe uma série de obras, não apenas romances, sobre ditadores. O romance histórico, na tradição anglo-saxã, tem grande prestígio. No caso do Brasil, a frequência desses dois, digamos, subgêneros é menor. O marechal de costas tenta uma ligação entre essas duas questões a partir de um contraponto com o presente, que, como falei, era algo sobre o qual eu queria escrever.
• Quais foram os maiores problemas encontrados durante o processo de feitura de O marechal de costas? Houve algum momento em que a pesquisa histórica, de alguma forma, atrapalhou a sua sensibilidade criativa ou, pelo contrário, as referências só a fortaleceram?
Aqui não há como fugir a uma resposta mais mundana. Se aqui “problema” também puder ser entendido como “dificuldade” de qualquer natureza, a verdade é que o maior obstáculo que enfrentei entre 2013 e 2016 foi a mistura das demandas profissionais com as de saúde. Como qualquer um, fiz a pesquisa e a redação do livro enquanto seguia dando minhas aulas, preparando meus alunos de pós para ingressarem no mercado de trabalho, educando meus dois filhos e batalhando, mais recentemente, com um câncer já em fase de metástase. Então, a pesquisa histórica foi, nesse contexto, um grande prazer. Fui educado como pesquisador de literatura nos arquivos do século 19, e me sinto à vontade aí. A leitura das biografias oficiais de Floriano — que não são muitas — foi divertida; passei a admirar algumas delas, inclusive pelo tom grandiloquente e absurdo, que hoje só pode ser lido com grande ironia. Escolhi trechos de algumas das minhas referências preferidas e usei muito desse material diretamente no corpo do romance, buscando costurar aspectos do exagero vocabular das biografias históricas com um pouco da razoabilidade que a imaginação ficcional nos permite.
• Quais são os limites de uma narrativa ficcional que se atreve a trabalhar com uma personagem de cunho histórico, tendo em mente que na teoria não podemos tratar o gênero prosa como uma biografia? Como seria delimitar essa linguagem artística que romanceia a vida de uma figura pública, de forma que a ficção não fique em segundo plano e, ao mesmo tempo, não se vaporize ou deixe sublimar as informações de relevância histórica?
Não sei se entendo bem a pergunta. Não vejo nenhum limite que se possa impor à narrativa ficcional no que se refere ao seu trabalho com a matéria histórica. Aquilo que na teoria não se pode fazer, bom, será feito na prática… A biografia pode existir em prosa e também em verso, tal como aliás as próprias biografias começaram a aparecer na antiguidade Clássica. Não acho que a oposição entre ficção e história seja uma entre o falso e o verdadeiro. Pode haver biografias falsas — ou com informações e visões equivocadas — e pode haver narrativas de ficção que representem eventos e relações ou situações humanas de uma forma que julgamos profundamente verdadeira. A linguagem artística não precisa de nenhuma delimitação na medida em que ela esteja em seu próprio domínio, como, por exemplo, é o caso de um romance. Evaporar e sublimar os sentidos da chamada relevância histórica é precisamente a tarefa da imaginação ficcional. Isto, pelo menos, para mim.
“O Brasil ainda é destino de turismo sexual e paraíso — imaginário — de integração racial. Mas uma vez que o estudante americano chega aí, ou lê a respeito do Brasil, o mito logo se desfaz.”
• Durante o processo de produção de O marechal de costas, o senhor enfrentou um grave problema de saúde, revelado publicamente no blog da Editora Companhia das Letras, no final de 2016. De que forma o diagnóstico de câncer e a submissão ao tratamento de quimioterapia influenciaram em sua escrita, sobretudo na composição deste trabalho em específico?
Pois é. Que situação, hein? Foi bem difícil. Passei por uma provação. Muita coisa disso acabou indo para dentro do romance. Por exemplo, na segunda redação do livro, pus uma ênfase maior nos detalhes relacionados aos corpos e às cenas de morte de Napoleão, D. Pedro II e Floriano. Essa atenção aos sentidos, à falência do organismo público e privado, e ao silêncio ou ao isolamento são, em minha opinião, um eco das minhas várias visitas às salas de cirurgia e quimioterapia durante o ano de 2016. A composição de O marechal de costas me serviu de companhia nesse período. Aqui, de novo, as cinco palavras de Marcelo Ferroni, meu editor, fizeram uma diferença enorme. “Vá fazendo.” E depois: “Vá me mandando”. Por incrível que pareça, o empurrão surtiu efeito. Revisei as primeiras provas do romance no hospital, com as enfermeiras e a minha esposa me dizendo, Zé, por favor, pare de ler. Por favor. Please. Mas os esteroides, usados para impedir que meu corpo rejeitasse a aplicação de duas medicações quimioterápicas, causavam uma sensação de alerta. Eu lia mais e melhor, mais rápido. Depois de cada uma dessas aplicações, vinha um apagão de cinco dias… Então, naqueles 45 minutos de plena consciência, a cada sessão de três horas, ia tocando a revisão do Marechal. Erros crassos passaram para as mãos da equipe da Alfaguara, aos cuidados carinhosos de Luara França e Luiza Cortes. Era como se todos estivessem comigo, ali dentro, naquela sala branca, cheirando a plástico. Comecei 2016 perdendo para o câncer, no final do ano marquei meu gol. Hoje, voltei a correr e tomar cerveja. Não tenho nenhuma dúvida de que o romance me ajudou a ficar de pé; e talvez, até, juntamente com minha esposa e os nossos filhos, tenha sido a mão mais essencial de todas.
• Como foi criar a personagem dessa cozinheira, apresentada no livro já no ano de 2013 e se torna tão essencial na transição temporal dos fios narrativos, iluminando também questões ainda tão pertinentes no Brasil, como a diferença de classes?
A cozinheira veio de um conto que publiquei sob encomenda do Ministério Público do Trabalho, para uma antologia chamada O verso dos trabalhadores, com textos de ficção, reportagens e fotos tratando da exploração do trabalho no Brasil. Mas há também o fato de que a minha mãe é uma cozinheira “de mão cheia”, como se diz; trabalha no setor há vinte anos. Queria uma voz contemporânea como testemunha dos caminhos de nossa República. Queria uma perspectiva que pudesse se contrapor à do cronista, do historiador, do professor. Ora, nada mais natural do que recorrer à mãe, você não acha? Alguém que trabalha com a mistura, com a socialização, com a nutrição desse corpo que entra em crise. Essa foi a ideia.
• Além de prosador e ensaísta, o senhor trabalha também como professor de Literatura Brasileira da University of California (UCLA), nos Estados Unidos. Como é transpassada no ambiente acadêmico do exterior a noção da literatura feita no Brasil? A ideia clichê e redimensionada de um país tropical, onde se cultua o índio, o samba, as mulatas e o carnaval, ainda é uma constante quando se pensa em cultura brasileira lá fora?
Não. Realmente, não vejo por aqui um culto ao índio ou ao samba, nem às mulatas ou ao carnaval, no que se refere à imagem do Brasil nos Estados Unidos. Esses dias ficaram para trás, com a saudosa Bossa Nova. Hoje, o culto universitário é à favela, à Amazônia sustentável, às ONGs que atuam no apoio de iniciativas contra o trabalho infantil. São formas de culto mais saudáveis, você não acha? Eu acho. O Brasil ainda é destino de turismo sexual e paraíso — imaginário — de integração racial. Mas uma vez que o estudante americano chega aí, ou lê a respeito do Brasil, o mito logo se desfaz. A imagem do país é ao mesmo tempo mais diversa e mais invisível. Não vejo uma imagem unificada sobre nosso país na mídia ou no jornalismo cultural daqui. Há, sempre, a ênfase nos desastres, no vírus Zika, no impeachment, nas brutalidades policiais, é claro… Mas a literatura passa longe. O cinema, às vezes, ocupa dez dias numa sala de programação cultural, universitária ou de bairro, e depois some. Há tantas outras culturas. Há 450 outras esperando para aparecer. Por que o Brasil? Acho que ele importa para mim e para você, e para os brasileiros. Se ele importa ou não aos americanos… isso é irrelevante.
Foi surpresa para o senhor ver Clarice Lispector elencando a lista dos livros mais vendidos nos Estados Unidos, com o The complete stories, volume único que reúne todos os contos da autora, organizado por Benjamin Moser? Pergunto isso porque para a maioria dos brasileiros foi. Acredito que ver uma escritora da envergadura de Clarice estampando a capa da New York Book Review seja um fato muito significativo para a literatura brasileira.
Concordo. A tradutora do livro foi minha aluna na Universidade da Califórnia, em Berkeley: Katrina Dodson; pessoa maravilhosa, sutil e inteligente. Ela escreveu uma tese de doutoramento, sob minha coorientação, sobre Elizabeth Bishop no Brasil. A tradução dos contos completos de Clarice é um feito notável. A grande repercussão do livro nos Estados Unidos foi merecida e bem-vinda, mas não muda a relativa invisibilidade da literatura contemporânea brasileira nas prateleiras das livrarias e nas revistas e cadernos literários norte-americanos.
• Como já é de praxe, ainda enfrentamos a dificuldade de público consumidor de literatura no Brasil. É nítida a pouca eficiência do sistema educacional para abordar um texto literário em sala de aula. Como professor de literatura, de que forma o senhor enxerga essa questão? Quais seriam as possíveis medidas que a nossa educação poderia adotar para levar o grande público à literatura, dando ênfase, sobretudo, à nossa vasta produção contemporânea?
Acho o letramento literário e o acesso à literatura, bem como à expressão literária, direitos fundamentais do cidadão. Mas não cabe a mim elaborar políticas públicas de educação literária no Brasil. Sou autor brasileiro, mas professor e funcionário público do estado da Califórnia. Concordo com a premissa da sua pergunta. Seria ótimo que o texto literário brasileiro, contemporâneo, encontrasse mais lugar nas salas de aula de escolas, faculdades e universidades brasileiras. Acho que você e os meus colegas, professores de Letras no Brasil, têm mais condições do que eu para responder a essa pergunta. A tarefa do professor, na minha opinião, é menos “levar o grande público à literatura” e bem mais expor o aluno e os leitores em geral a uma maior diversidade de textos, e mostrar como vale a pena colocá-los em nossas vidas, porque eles pensam e representam aspectos fundamentais da nossa experiência de estar no mundo com os outros.
• No Brasil, há dois livros seus de ensaios, e que abordam grandes personagens da literatura brasileira, construídas por autores como Machado de Assis e Mário de Andrade. Em algum momento a atividade acadêmica trouxe algum tipo de barreira para a escrita de ficção? É possível enveredar pelos dois campos sem a tal contaminação? A prosa, por exemplo, pode ajudar na composição de um ensaio ou vice-versa?
Toda e qualquer forma de escrita vale a pena. A prática na prosa ensaística ajuda na prática da prosa de ficção. O que atrapalha são as demandas burocráticas de uma carreira acadêmica. Claro, do ponto de vista da organização das ideias, crenças e, digamos assim, do estoque conceitual de qualquer autor, pode haver instantes em que as convicções intelectuais pesem dentro da construção ficcional, fazendo dela uma plataforma ou panfleto de ideologias ou pautas muito específicas; e se o autor tiver uma mão pesada, a narrativa acaba soando dissertativa e unidimensional. Seria melhor escrever um ensaio, na minha opinião. Mas cada caso é um caso. A riqueza de ideias e o rigor argumentativo do ensaio também é esforço sumamente criativo e que demanda originalidade no que diz respeito às escolhas de organização e síntese do material, e neste sentido esse esforço também se assemelha à condensação característica da produção poética. Vejo muita fluidez nas fronteiras que separam esses gêneros e práticas.
• Do seu primeiro trabalho no campo ficcional para o mais recente, o que mudou na sua forma de trabalhar a literatura? Como avalia sua produção literária em cada período produzido?
Cabe ao leitor e aos críticos avaliarem o peso relativo e o rendimento literário de cada uma das minhas tentativas em prosa de ficção. Do ponto de vista da escrita, o que mudou para mim foi a maneira como compus cada um desses livros. Nosso grão mais fino (2009) foi, para mim, um grito no escuro. Ainda hoje tenho grande carinho por essa estreia, feita no isolamento e no ineditismo absoluto, nas noites, fins de semanas e feriados, com tempo roubado à carreira acadêmica, que então se iniciava. Já o meu romance mais recente (2016) foi escrito de modo aberto, baseado em contos que já tinham saído, amparado na boa recepção de O sonâmbulo amador (2012) e discutido do começo ao fim com três amigos, entre os quais Marcelo Ferroni, que me deram apoio e me fizeram tocar o projeto adiante, a despeito das várias adversidades que me puxavam o tapete.
“A tradução dos contos completos de Clarice é um feito notável. A grande repercussão do livro nos Estados Unidos foi merecida e bem-vinda, mas não muda a relativa invisibilidade da literatura contemporânea brasileira nas prateleiras das livrarias e nas revistas e cadernos literários norte-americanos.”
• Durante o trabalho de pesquisa para a composição de O marechal de costas, qual curiosidade o senhor descobriu da vida de Floriano Peixoto, mas que não foi trabalhada em seu romance?
Talvez o fato de que, para alguns, ele tenha sido um bom presidente… Não tenho dúvida de que ele tenha sido, sim, um excelente militar — na medida do que significa ser militar entre o Império e a República. Floriano ficou conhecido como o Consolidador da República. Isso faz dele um bom presidente? Pensemos na situação de hoje. O que é ser um bom presidente? Aludo a isso no romance, mas não tive condições de me aprofundar, porque não queria pôr no livro uma hipótese fechada sobre a eficácia da carreira política de Floriano. O que me interessava eram instantâneos de sua carreira vertiginosa, as suas dúvidas, os seus silêncios, um mergulho na sua imaginação.
• Lendo O marechal de costas, vemos com muita clareza como o presente está o tempo todo associado ao passado, numa típica releitura moderna da sociedade. Se colocarmos como ponto de partida o atual cenário político brasileiro e também estadunidense, com a entrada de Donald Trump no poder, qual é a sua visão de mundo para o futuro, tendo como referência a evasão da ética e a fissura dos interesses bilaterais que tais governantes, que regem hoje o sistema, exibem?
Toda olhadela que damos no passado carrega consigo a hora atual dessa nossa olhadela. O meu Floriano não é o dos historiadores nem o dos biógrafos. Mas ele também não é Temer, como alguns já quiseram sugerir. O meu Floriano é, para mim, um modo de se pensar sucessivas ondas de traição política no contexto da formação de nossa democracia e de sua situação atual; traições marcadas pela mistura ou confusão entre as dimensões pública e privada do sujeito. Trump é uma tristeza, e vamos pagar caro por isso. É também um personagem pronto; fica difícil fazer ficção quando uma figura como essa salta em carne e osso diante das nossas vidas. Resta pensar, falar, escrever a respeito disso e do que nos incomoda. A imaginação literária cumpre um papel importante nesse processo. É um modo de representar e entender situações humanas complexas, contraditórias, e encontrar ali dentro um entendimento das nossas falhas e limitações; e uma empatia até mesmo para com os nossos inimigos. Ora, empatia não quer dizer aprovação nem congraçamento. Muito pelo contrário. Em O marechal de costas busquei esse abraço ou abertura em relação àquilo que, em muitos sentidos, é meu vizinho e meu oposto, e que está no personagem do professor, na voz narrativa da cozinheira, no relato da vida de Floriano. Essa empatia para com as várias formas de diferença é ganho da imaginação literária. Por ela, convivo inclusive com uma clara presença inimiga, tal como seria para mim a convivência com Floriano, se acaso tivéssemos existido no mesmo tempo e espaço para os quais voltei a minha olhadela ficcional.