Sonhar imaginários

Entrevista com o escritor e ilustrador André Neves
André Neves, escritor e ilustrador
01/11/2012

Nos livros do recifense André Neves, imagem e palavra carregam o leitor para além da história narrada, em direção ao imaginário do próprio autor e ao imaginário pessoal e particular de cada leitor. Talvez por isso não seja fácil definir a experiência inquietante fruto da leitura de seu trabalho, apesar do traço marcante e da prosa poética que caracterizam livros como Tom, Obax e Um pé de vento, entre outros, e que lhe renderam importantes prêmios na área da literatura infantil, como o Jabuti e o Luís Jardim, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Nesta entrevista, Neves comenta a relação entre ilustração e texto em sua obra e as histórias que nascem do passado e da memória para afluir em um mundo de sonhos.

De que maneira a leitura fez parte da sua infância e que fatores contribuíram para torná-la um hábito em sua vida? Neste período, o que você buscava nos livros?
Os livros sempre estiveram presentes em minha vida, em minha infância. Filho de professores, com avós leitores, cresci em meio a relatos e leituras de histórias. Importantíssimo para fortalecer o imaginário de fantasia e criar. Mas o envolvimento artístico desde jovem me faz olhar a vida de uma forma especial.

Suas histórias (tanto palavra quanto imagem) parecem ser impregnadas e filtradas pela memória e o imaginário, ligados a sua infância, marcada também pela cultura popular do Recife. Como esse mundo dialoga, no seu trabalho, com a sua experiência adulta no mundo atual?
Criar para a infância é brincar com a memória. Qualquer criação que mexa com o passado me faz sonhar. Mesmo quando essa história pode, num primeiro olhar, não ter relação com o passado. Acredito numa formação da infância de sentido amplo, carregamos muita coisa que ficou lá atrás pela vida inteira. A alegria contida na cultura fortaleceu meu conceito visual e restabelece uma alegria das coisas que vivi e me alegram quando volto ao meu lugar de origem.

Seu trabalho de artista plástico — muitas vezes as próprias imagens que compõem seus livros — é exposto em galerias e bienais. O que o levou para além da pura imagem em direção à narrativa, e especificamente ao objeto livro? Em que momento sentiu a necessidade de somar o uso da palavra ao que poderia ser apenas narrativa gráfica, e com qual intenção?
Minha função como criador visual está extremamente ligada ao poder narrativo. Usar imagens para compor um pensamento pode gerar mil histórias, já que uma imagem pode valer por mil palavras. Apesar de contar uma história, sei que ela não será só minha. Passará para uma criação coletiva. O que mais desejo é ousar para libertar outros imaginários. Imagens nascem, palavras também. Quando juntas, são gêmeas, muito parecidas, mas com personalidades próprias. De uma forma ou de outra, elas chegam muito naturalmente, sem somar: as histórias apenas se multiplicam.

O trabalho visual em seus livros vai além do ilustrar o texto, na medida em que compõe uma narrativa por si só. Que relação você busca entre narrativa visual e narrativa textual?
Integração. O livro deve contar antes de tudo, independentemente do que e de como é feito.

Você diz que seus livros nascem muito mais de sentimentos do que de idéias. Como esses sentimentos ou sensações sobressaem a ponto de virar um livro e, em seguida, de que forma são organizados para compô-lo? Uma vez colocados no papel, qual seu fim?
Ultimamente minhas imagens são sonhos. Essa imagem já conta algo importante para mim, porém, não são reais ao ponto que relaciono com algo real em minha vida, do presente ou do passado. Isso não é forçado. É natural. Depois, sim, brinco com a estrutura criada para ficcionalizar. Forma-se assim uma história repleta de fantasia, algo que fica entre o real e imaginário para que possa, mais uma vez, fazer sonhar.

Yasmin Taketani

É jornalista.

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