Floriano Martins é poeta, editor, ensaísta, tradutor, especialista em literatura hispano-americana, especialmente poesia. Vários livros de poesia, a partir de 1991, com Cinzas do sol, passando por, entre outros, Sábias areias, Alma em chamas, Extravio de noites até chegar ao Estudos de pele, em 2004. Nasceu em Fortaleza, onde vive. Edita com Cláudio Willer a revista eletrônica Agulha (www.revista.agulha.nom.br), que se tornou uma referência obrigatória para quem leva literatura a sério. O que mais faz na vida é promover a literatura brasileira, especialmente poesia, fora e dentro do país, por meio de publicações, livros, conferências. Não pára. É um agitador.
• Quais são os projetos que você está desenvolvendo para promover a literatura brasileira no exterior ?
Além do trabalho que já desenvolvo com o Claudio Willer por meio da Agulha, há as edições especiais de revistas impressas, dedicadas ao Brasil: em 2006, tivemos todo um número da revista Poesía, da Venezuela, e agora acabo de entregar à revista El Búho, do Equador, uma nova seleção de textos de brasileiros, prosa e verso. Também acaba de sair na Espanha uma antologia com 25 poetas, preparada por mim e José Geraldo Neres. Porém nossos escritores são divulgados também sem integrarem edições especiais, por meio sobretudo de entrevistas que realizo para diversas publicações.
• Quais são os critérios utilizado para escolher os nomes dos poetas que participam das antologias que você organiza?
Há um critério acima de qualquer outro, que é o da qualidade. Porém outros critérios são determinantes, de acordo com a natureza do projeto. Por vezes, temos que nos ater a aspectos cronológicos, nacionais, geracionais, etc. A antologia para a Huerga & Fierro, de Madrid, por exemplo, definimos que deveriam ser autores nascidos a partir de 1950, pois a editora estava interessada em divulgar novos poetas brasileiros.
• Há também uma antologia da poesia de Carlos Drummond de Andrade, com um longo ensaio, 700 páginas.
Este é um volume inserido dentro da tradicional e valiosa coleção principal, de autores hispano-americanos, da Biblioteca Ayacucho, em Caracas. O caso do Drummond tem algo de especial, por ser o primeiro volume bilíngüe que ali se edita. Ao contrário de uma ausência total dos grandes escritores venezuelanos em nosso mercado editorial, graças à Fundación Ayacucho são vários os brasileiros com obras publicadas no país vizinho. Rapidamente mencionaria Gilberto Freyre, Lima Barreto, Mario de Andrade, Euclides da Cunha, Silvio Romero, Sérgio Buarque de Holanda, Antonio Candido, Jorge Amado, Darcy Ribeiro, Lúcio Cardoso. Sempre obras bem cuidadas, precedidas de substanciosos estudos críticos.
• Nesse caso particular da Venezuela, mas isso vale também em relação a outros países, o que dificulta a reciprocidade?
Falta de atenção ou mesmo presunção de nossos escritores em relação aos valores dessa literatura; cegueira da crítica e do mercado editorial; mas sobretudo nosso brutal provincianismo que nos deixa à mercê do que há de pior no mercado estadunidense e europeu. Claro que nada disso tem a ver com o idioma, como facilmente se observa, pois aqui estamos falando de traduções, além do que, se fosse um problema de idioma, teríamos uma íntima relação com a literatura portuguesa, o que não é verdade. Agora mesmo, a entrada de autores portugueses no Brasil não é fruto de nosso interesse por esta literatura, mas sim de uma oportunidade financeira criada pelo Ministério da Cultura em Portugal. Se a Venezuela acenasse com um mecanismo dessa ordem, logo teríamos aqui seus poetas, vozes tão essenciais como as de José Antonio Ramos Sucre, Vicente Gerbasi, Juan Sánchez Peláez, Eugenio Montejo, dentre outros.
• E o que você vem fazendo em relação a poetas estrangeiros para publicação no Brasil?
Aqui a situação possui dois ambientes complementares: o trabalho como tradutor e organizador. Dentro da coleção Ponte Velha, da Escrituras Editora, eu venho organizando uma série de livros de autores portugueses. No final de 2006, saíram antologias da obra de Isabel Meyrelles, Armando Silva Carvalho, Nicolau Saião e João Barrento. Para este ano, a editora me encarregou da preparação de 7 novos títulos. Também a mesma editora publica agora o livro Expírito, do mexicano Ruben Mejía Valdés. A publicação de autores hispano-americanos, de uma maneira geral, que é a minha área de atuação, é sempre mais difícil, pela ausência de interesse de nosso mercado editorial. Mesmo assim, aos poucos se vencem obstáculos. Juntamente com a poeta Lucila Nogueira, por exemplo, estou preparando agora duas grandes antologias panorâmicas da lírica venezuelana e colombiana.
• Fale desse seu trabalho de tradução e por que sua preferência para autores hispano-americanos? Como ocorreu essa aproximação com esses poetas e escritores?
A tradução é um trabalho complementar da pesquisa e da edição. Não sou um tradutor profissional. Meu interesse pela literatura hispano-americana já ultrapassa a casa de 25 anos e basicamente radica na necessidade de se fazer acordar este nosso país para fundar um diálogo continental.
• E o que seria esse diálogo continental? Como você imagina isso?
Criar canais de intercâmbio, que vão desde o aprendizado mútuo dos dois idiomas à redução a um mínimo possível dos impostos por transmissão de bens culturais, tarifas postais que não sejam diferenciadas das nacionais, programas de estímulo editorial, incluir a presença de escritores desses países em eventos brasileiros (como já se faz em alguns casos, como Cuiabá e Recife), etc. Mas não há que cobrar isso tão-somente dos governos. Os próprios escritores deveriam despertar para a importância deste fortalecimento dos laços culturais em nosso continente. Esta seria uma urgente função que todos deveriam cumprir. Não será apenas por meio dos acordos econômicos que a América Latina alcançará uma posição estratégica em âmbito global. Mas evidente que o assunto requer mais do que arrolar estes poucos tópicos, como o faço aqui.
• A literatura — especialmente a brasileira, incluindo principalmente a poesia — merece tanto trabalho de alguém?
Nosso acervo literário é muito rico, mesmo considerando o vertiginoso empobrecimento das últimas décadas. Este empobrecimento é, em grande parte, decorrente dos equívocos de meta do mercado editorial, mas se dá também por certo isolamento nosso, a ausência de diálogo com outras literaturas, a ausência de políticas culturais, etc. É verdade que, não raro, chega a ser lastimável o grau de ignorância literária — já nem falo em um plano cultural mais abrangente, pois então seria o caos — de muitos escritores que são assim considerados. Há uma pobreza até mesmo em relação ao domínio técnico de seu material de trabalho. Porém não devemos confundir as coisas e desistir de toda uma substanciosa tradição literária em nome de seus declínios temporários, por mais freqüentes que sejam. Ao contrário, há que chamar a atenção, apontar os erros, denunciar os falsários, para que assim possamos respirar um ar um pouco mais humano no ambiente literário.