Ousadia premiada

Entrevista com Isabel Coelho
Isabel Coelho, diretora do núcleo infanto-juvenil da Cosac Naify
01/05/2013

Um livro de contos cujo título tem 60 palavras. Um romance juvenil contado por múltiplas vozes narrativas, todas de garotos de um lixão de um país do Terceiro Mundo. Um livro em que o leitor literalmente abre um novo livro junto com a personagem durante a narrativa. Uma edição dos contos dos Irmãos Grimm ilustrada com xilogravuras e uma história contada pelo mestre do nonsense, Edward Gorey. Os lançamentos mais recentes do catálogo infanto-juvenil da Cosac Naify contribuem para reforçar aquilo que constitui a principal marca da editora: um apurado projeto gráfico aliado à autores consagrados e outros menos conhecidos, nem por isso dignos de desprezo.

A aposta ousada não se mostrou equivocada. Em março passado, durante a Feira de Bolonha, na Itália — a mais importante do mercado editorial infanto-juvenil —, a Cosac Naify ganhou o Bologna Prize for the Best Children’s Pubishers of the year (BOP), como a melhor editora de livros infanto-juvenis da América Central e do Sul. A casa brasileira concorria com a venezuelana Ekaré e as mexicanas Tecolote, Fondo de Cultura Económica e Petra Ediciones.

Nesta entrevista, a diretora do núcleo infanto-juvenil da Cosac Naify, Isabel Coelho, comenta a importância da premiação de Bolonha, discute as escolhas editoriais da casa e reflete sobre a atual literatura brasileira voltada para crianças.

• Que livro você busca sendo diretora do núcleo infanto-juvenil de uma casa como a Cosac Naify, conhecida por justamente pensar o livro de uma nova forma?
O catálogo da Cosac Naify é bem heterogêneo. Dentro dessa variedade, procuro o que está à margem, aquilo que é pouco discutido e que merece atenção, em prol de um leitor que busca uma formação intelectual e estética. Talvez seja por isso que as ilustrações e o projeto gráfico sejam tão importantes quanto o texto, pois são esses três alicerces que “traduzem” o conceito da publicação.

• A preocupação de “pensar” o livro, que já é visível no catálogo adulto da editora, ganha outro patamar se pensarmos que os títulos infantis são o primeiro contato de uma criança com o universo dos livros?
São dois pontos diferentes que certamente se unem. O raciocínio de estudar cada publicação em sua tridimensionalidade (o objeto livro em si) é uma característica do trabalho da editora, como você colocou. Em todas as áreas, essa preocupação está presente. No catálogo infanto-juvenil, algumas obras recebem um aparato gráfico específico para o seu público leitor como, por exemplo, cantos arredondados em livros para bebês. Porém, de uma maneira geral, os projetos são pensados de acordo com o conceito que o marca, sem estar associado a um público leitor identificado pela faixa etária. O fato de muitas obras do catálogo da Cosac Naify serem o primeiro contato de algumas crianças com a literatura — e com o objeto livro — faz com que a nossa responsabilidade aumente no que diz respeito à publicação de livros instigantes, sem erros e que permitam uma leitura continuada, para a vida.

• Analisando o catálogo das editoras concorrentes no prêmio da Feira de Bolonha, o da Cosac é o mais ousado. Você acredita que este foi um fator decisivo para a premiação?
A inovação e a ousadia podem ter sido fatores decisivos para a escolha da Cosac Naify. Mas imagino que a escolha também levou em consideração a consistência das publicações da editora como um todo: cada título escolhido e pensado como um projeto especial cria um conjunto que se destaca no mercado pelo seu projeto cultural.

• Nos últimos anos o número de autores brasileiros no catálogo infanto-juvenil da editora aumentou, mas os estrangeiros ainda dominam. Existe alguma preocupação que norteia o editorial hoje na busca por mais brasileiros?
Sem dúvida existe uma preocupação e até uma missão de publicar autores brasileiros. A Cosac Naify é uma editora que atua no mercado brasileiro e que se propõe a ter uma participação ativa na história da literatura infantil desenvolvida no país. Para isto, é fundamental acolher e divulgar as obras de autores brasileiros.

• Na sua visão de editora, é possível apontar traços comuns à literatura infanto-juvenil produzida hoje no Brasil?
Hoje, a literatura infanto-juvenil produzida no Brasil recebe traços e aspectos de várias regiões do país. Isso é muito positivo, pois encontramos autores de texto e de ilustrações empregando suas características regionais. Mas quando digo “regionais” não significa que a literatura lida com questões culturais nacionais, mas a estética da obra ganha um certo “sotaque” tanto no texto como nas ilustrações, o que torna o conjunto de livros publicados bem rico. Porém, o que me chama a atenção do ponto de vista da temática desta produção é que ela amadureceu uma fase, já em curso há alguns anos, de introspecção existencialista. Quero dizer que a maior parte dos livros publicados no país para as crianças lida com questões próprias da infância e do desenvolvimento do ser humano, em sua individualidade e também em sociedade. São livros que trazem histórias de como enfrentar os medos, como lidar com questões familiares e escolares etc. Esse talvez seja o traço em comum das obras publicadas no momento presente.

• A Cosac acaba de lançar seus primeiros títulos digitais. Existe algum plano para os infantis nessa área? Caso sim, em qual diferencial a editora aposta?
Por enquanto, o projeto de livro digital na editora ainda é restrito a algumas obras que já existem no catálogo impresso. Ou seja, são versões digitais de obras já publicadas. Ainda não definimos o que será a Cosac Naify digital em termos de inovação tecnológica, mas a pesquisa está em curso.

Guilherme Magalhães

É jornalista.

Rascunho