O otimismo é a ideologia dos assassinos

O otimismo é a ideologia dos assasinos
O escritor Olavo de Carvalho, autor de “O imbecil coletivo”
01/12/2000

É preciso começar apresentando Olavo de Carvalho com uma ressalva. Uma não; várias. Bem sei que nestes anos de falsa democracia a pluridade de pensamento é apenas uma quimera na cartilha dos intelequituais. É isto mesmo, contudo, o que exerço aqui, com esta entrevista: a pluridade de pensamento. Não sou seguidor de Olavo de Carvalho nem de qualquer outro pensador. Convém ainda dizer, para que se evite mal-entendidos, que esta entrevista aqui está apenas porque há uma voz precisando de ecos. E cabe à imprensa procurar não o discurso único, que, infelizmente, também infesta as redações. Olavo de Carvalho, auto-intitulado filósofo, uma das poucas vozes declaradamente contra MST, PT e qualquer outras manifestações de uma esquerda que ele considera burra e atrasada e extremamente pouco intelectualizada, apesar de fazer a festa nas universidades Brasil afora, é a voz de um discurso que não tem o rabo preso com os tradicionais grupos de oposição, sejam eles políticos ou culturais, cujo poder advém, já, de uma oposição consolidada, uma espécie de poder paralelo do contra, se é que me faço bem compreendido.

Entrei em contato com Olavo de Carvalho e seus textos através de um link obscuro na Internet. Interessei-me por aquele texto raivoso, aquele discurso que, surpresa!, não caía no panfleto e que era cheio de uma sutil inteligência, que me remetia a Tristão de Athaíde e Otto Maria Carpeaux, quando não, por vias obscuras, a Nelson Rodrigues. Passei a lê-lo com assiduidade, crendo que ali estava uma alternativa à reclamice que contamina nove em dez colunistas ditos de esquerda. É claro que a primeira visão de Olavo de Carvalho não se sedimentou em mim, cético de toda palavra forte, inclusive as minhas. Na entrevista a seguir, é notório que Olavo de Carvalho exagera. Próprio de uma retórica que precisa ser gritada para ser ouvida por uns poucos e moucos ouvidos acostumados a uma cantiga por demais já repetida…

Algumas pessoas que leram esta entrevista quando em fase de edição me xingaram de fascista para baixo, pelo simples fato de eu entrar em contato com Olavo de Carvalho, pelo simples contato com a palavra dissonante. A que ponto chegou nossa chamada contestação, eu pensava, enquanto editava a entrevista, incrédulo ao saber que essas vozes que me condenaram à priori apenas por meia-dúzia de perguntas se dizem humanistas. De um humanismo de esquerda, lógico e lá lá lá.

É possível que a entrevista a seguir gere ódio. Espero, contudo, que ela seja lida como um amontoado de idéias mais ou menos interessantes. E somente assim é que deve ser lida. Não cabe ao Rascunho, publicação literária, nem à figura deste jornalista, qualquer tipo de engajamento político. As opiniões neste campo abundam nas respostas a seguir, entremeadas pelos pensamentos sobre a filosofia de Aristóteles e principalmente na eterna guerra entre nós, leigos assumidos, avessos ao jargão acadêmico, e a Academia em si, com suas teses ininteligíveis.

Quebrados os ovos em que pisei, à entrevista, pois.

• O senhor tem travado uma verdadeira batalha contra o academicismo no Brasil. Por que a academia é tão perniciosa para o pensamento brasileiro?
Porque, durante a ditadura militar, o governo, movido talvez por um complexo de culpa, deixou as universidades totalmente à mercê dos caprichos da esquerda, que imediatamente as transformou em escolinhas de formação de militantes. Hoje a produção da universidade brasileira em ciências sociais, em letras e em filosofia se tornou, na sua quase totalidade, pura propaganda política, do nível mais rasteiro.

• Que tipo de influência teve o pensamento marxista no condicionamento do pensamento acadêmico no Brasil?
Na Europa, o marxismo, como dizia Raymond Aron, era o ópio dos intelectuais. Aqui tornou-se a cachaça dos pseudo-intelectuais. O marxismo, de tanto ser divulgado em manuais de propaganda, tornou-se fácil de absorver em fórmulas prontas, e isto o torna peculiarmente atrativo para pessoas incapazes de trabalho intelectual sério. Se o sujeito tem alguma exigência mais profunda, logo ele acaba entrando em conflito com as fórmulas prontas, mas aí a coisa fica pior ainda, pois as melhores energias do seu cérebro serão gastas numa luta para, como se diz, “resgatar o marxismo autêntico”. Como o marxismo é uma filosofia intrinsecamente absurda e autocontraditória, esse esforço mantém o sujeito envolvido, pelo resto de sua vida, em enigmas sem solução, que alimentam discussões bizantinas. Participar dessas discussões, ser um membro do “círculo interno” dos debatedores de marxismo, é a ambição mais alta a que pode aspirar o jovem estudante. É um mecanismo hipnótico e auto-reprodutor, feito para manter as inteligências presas para sempre na jaula marxista, seja pelo comodismo, seja, ao contrário, pela parasitagem das iniciativas. Só para dar uma comparação: Eric Voegelin, o filósofo mais importante da segunda metade do século, conta que, quando jovem, numas férias de estudante, leu O Capital e virou marxista; no semestre letivo seguinte, estudou teoria econômica, viu que o marxismo era uma bobagem descomunal e se livrou dele para sempre. Nossos estudantes, em vez de teoria econômica, estudam mais e mais marxismo e nunca saem de dentro da jaula. Ficam escondidinhos, com medo de encontrar objeções. Por isto só lêem (quando lêem) os autores antimarxistas de segunda ordem, inofensivos, permitidos por seus mestres comunistas. Jamais enfrentam um Voegelin, um von Mises, um Hayek, porque sabem que seriam transformados. O que Voegelin resolveu em poucos meses dura, para eles, uma vida inteira.

• O que o senhor sugere que se faça nas Universidades? Privatizá-las é a solução?
Sinceramente, não sei. Não tenho uma solução global. O que sei é que, pelo menos, é necessário incentivar a atividade intelectual séria fora das universidades, para que elas se sintam intimadas a tomar vergonha.

• O jornalista Paulo Francis dizia que o Brasil é o único país do mundo que ainda leva o comunismo a sério. O senhor concorda?
Certamente não. No Brasil o comunismo tem um prestígio anormalmente vasto, mas isso não quer dizer que tenha desaparecido por completo no resto do mundo. Os intelectuais mais sérios já abandonaram o comunismo há muito tempo, mas as universidades são inesgotáveis produtoras de pseudo-intelectuais, aqui e em, outros países. Há muitos comunistas nas universidades norte-americanas e muitos mais nos organismos internacionais, ONU e Unesco, tentando fazer a revolução por meio da burocracia. São, evidentemente, os últimos espasmos do moribundo. Mas o cadáver ainda é bastante grande para que sua decomposição contamine muita coisa em torno. A diferença brasileira é que aqui os comunistas têm uma perspectiva de tomada do poder, da qual praticamente já desistiram em outros países.

• Numa entrevista à revista República o senhor disse que o Comunismo tinha algo de satânico. Explique melhor esta afirmação.
Karl Marx, na juventude, foi membro de uma seita satanista e, segundo sua empregada e amante Helene Demuth, ainda na maturidade fazia em casa estranhos rituais. Esse fato foi meticulosamente escondido pelo governo soviético, depositário dos manuscritos e da correspondência de Karl Marx. Quem esteja interessado no assunto pode ler “Marx and Satan”, de Richard Wurmbrand (parece que há uma tradução brasileira, aliás publicada por uma instituição evangélica aí do Paraná). Ademais, permanece a advertência de Jesus: “Pelos frutos os conhecereis.” Pelo número de pessoas que matou no altar de um projeto intrinsecamente absurdo, o comunismo supera a totalidade dos flagelos que se abateram sobre a humanidade no século XX: some às vítimas das ditaduras de direita os mortos de duas guerras mundiais, de todos os terremotos, epidemias e desastres aéreos, e ainda estará longe de alcançar o total de vítimas do comunismo. Essas vítimas morreram, literalmente, por nada, por uma piada sinistra.

• Nesta mesma entrevista o senhor causou polêmica com a afirmação de que o trabalho infantil não faz mal a ninguém…
Saí da escola aos 15 anos e fui trabalhar. Aprendi muito mais no trabalho. Quando voltei a estudar, tinha a disciplina e a firmeza de um trabalhador, que a escola jamais me ensinaria. E hoje as escolas são piores do que naquela época. São instrumentos de imbecilização, quando não de perversão das almas infantis. O trabalho, desde que não seja forçado e que não seja incompatível com a fragilidade infantil, é uma escola muito melhor. Nos EUA, as escolas já se tornaram instrumentos para a pregação aberta e descarada da pedofilia. Milhares de famílias já se recusam a enviar seus filhos para as escolas, por medo de que caiam vítimas de políticas educacionais perversas. Sobretudo, considero uma violência a escolaridade obrigatória, hoje defendida como um dogma por pessoas que ainda ontem se diziam adeptas da liberdade. Leia “Sociedade sem escolas”, de Ivan Ilitch, e compreenderá do que estou falando. A crítica da escolaridade foi um dos elementos essenciais da pregação esquerdista dos anos 60, que hoje traiu seus ideais e se tornou adepta da dominação burocrática das almas infantis por meio da escola.

• O senhor tem atacado bastante o catolicismo populista. Qual a influência do Concílio Vaticano II para certa decadência do catolicismo?
O concílio não mexeu em coisas que deveriam mudar, como o celibato clerical, e em compensação remexeu levianamente coisas que deveriam permanecer intocadas, como por exemplo o texto da missa. Não acredito que esse concílio tenha sido inspirado pelo Espírito Santo, pois já nasceu comprometido com a mentira: no começo de 1962 o Vaticano e o governo de Moscou assinaram um pacto secreto em que a Igreja se comprometia a nada dizer contra o comunismo durante o Concílio. Foi uma cumplicidade criminosa com o morticínio que, àquela altura, crescia dramaticamente na China. A Igreja tentou manter secreto esse acordo, mas o próprio cardeal que o assinou acabou por divulgá-lo. Pelos frutos os conhecereis: o Concílio descristianizou o Ocidente.

• Por que Aristóteles é tão atacado pelos intelectuais ditos agnósticos ou ateus. A filosofia de Aristóteles é tão indissociável assim do cristianismo?
O problema com Aristóteles é que, num número impressionante de casos, ele tem razão. Isso humilha muitas pessoas, que então não têm remédio senão repetir o que ele disse, mas ao mesmo tempo falando mal dele para disfarçar a cópia. Não há uma só teoria científica importante, nos últimos duzentos anos, que não esteja ao menos prefigurada em Aristóteles, incluindo a física relativista, a ressonância mórfica, a teoria das catástrofes e a nova genética. Aristóteles é um gênio tão assombroso — só rivalizado, de longe, por Leibniz —, que certos místicos muçulmanos chegaram a considerá-lo um profeta. Em torno dele há portanto uma conspiração de invejosos, que não termina nunca.

E com relação às novas técnicas científicas que vão na contramão da religião e às questões mais profundas como a existência ou não da alma, eternidade, estas coisas? Afinal, parece inviável pensar em alma e eternidade com a ovelha Dolly pastando por aí.

Para pessoas que imaginam que alma é uma substância enxertada no corpo desde fora, é realmente inviável. Mas, para quem estudou o “De Anima” de Aristóteles, a ovelha Dolly é a obviedade das obviedades, só não produzida antes por falta de meios técnicos. Em geral as discussões religiosas são de muito baixo nível, de parte a parte, e só ajudam a confundir a mente popular. Para abreviar a explicação: a alma, dizia Aristóteles, é a forma do corpo – forma não no sentido visual de figura, mas no sentido interior de “fórmula”, ou algoritmo. Essa fórmula, simplesmente, não pode ser destruída pela morte do corpo, assim como a estrutura interna de uma música não é destruída quando ela parou de tocar. Ela continua, eternamente, inscrita no “código” universal, sempre idêntica a si mesma. Nada pode reforçar mais a doutrina da eternidade da alma do que a nova genética.

Como filósofo, o senhor tem uma postura otimista ou pessimista com relação ao futuro da Humanidade?
Nunca houve uma religião otimista, um profeta otimista, um santo otimista. Moisés, Buda, Cristo e Maomé jamais foram otimistas. O otimismo é para os demagogos e as agências de publicidade. Devemos enfrentar a vida com um pessimismo viril, como os santos da Igreja ou os sábios estóicos. O pessimismo inclina à compaixão, à bondade, à tolerância, à paciência. O otimismo gera as ilusões insensatas, os sonhos prometéicos de futuro em nome dos quais os tiranos matam milhões de pessoas. O otimismo é a ideologia dos assassinos.

Paulo Polzonoff Jr.
Rascunho