Esta entrevista teve início no final de 2005. Ao redor de uma mesa. Numa noite de calor. Era a primeira edição de um evento literário em uma cidade do norte do Paraná. Em um jantar, com alguns escritores, conheci, pessoalmente, Maria Esther Maciel. Já conhecia alguns textos dela: ficção e ensaios. Naquele momento, começou uma conversa. Que não se interrompeu com o final do evento.
Em 2006 nos encontraríamos novamente. Em Curitiba. Uma caminhada pela Rua XV. Um almoço. E, então, uma conversa gravada em um Café no centro da cidade. Era uma entrevista destinada a ser publicada em uma revista. No momento de transcrever a fita, apenas burburinhos e ruídos dos carros que passavam na rua durante aquele bate-papo.
A entrevista tinha de ser feita. Uma nova tentativa. Por e-mail. Eu enviava uma pergunta, Maria Esther respondia. A partir da resposta, seguia outra questão e assim construímos outra entrevista. Redigi o texto de abertura. Conteúdo pronto e entregue. Mas a entrevista ainda continua inédita. Talvez um dia venha a ser publicada.
2006 passou. Passou também 2007. E este ano, surpresa, a Companhia das Letras publica O livro dos nomes, de Maria Esther Maciel. Surge, então, outra oportunidade de entrevistar a autora. Novamente por e-mail. Uma pergunta, uma resposta, outra pergunta, outra resposta até o limite de espaço esgotar.
Se você, leitora, leitor do Rascunho está lendo este conteúdo é sinal, irreversível, de que fazer e publicar uma entrevista com Maria Esther Maciel deixou de ser um projeto e agora é, finalmente, realidade. Nesta conversa, o ponto de partida se fez a partir do livro recém-publicado, em que a autora construiu teia ficcional em que, entre tantas nuances, capítulos podem ser lidos individualmente e esses mesmos capítulos, em seqüência e conjunto, formam longa e surpreendente narrativa. Nenhum detalhe é irrelevante. Nenhum personagem é necessariamente secundário. Entre aforismos, prosa, poesia, sutileza e não pouco mistério, Maria Esther Maciel.
• Em O livro dos nomes, personagens de um capítulo, de repente e inesperadamente, surgem em outros capítulos. E cada capítulo pode também, se for o caso, ser lido individualmente como um texto à parte, um conto — ao mesmo tempo em que no conjunto tudo se liga e faz sentido. Como foi costurar esse enredo?
Eu quis compor um livro híbrido, que se furtasse às definições de gênero. Daí o seu caráter meio inclassificável: O livro dos nomes pode ser lido tanto como um conjunto de narrativas avulsas quanto como uma espécie de romance feito do entrecruzamento dessas narrativas e atravessado por “verbetes” que parodiam os dizeres dos dicionários onomásticos. Outro propósito foi levar os personagens a ocuparem, simultaneamente, papéis de protagonistas e coadjuvantes. Assim, todos os personagens que dão nomes aos capítulos têm seus momentos de primeiro e de segundo planos, e, por estarem entrelaçados através de relações afetivas, familiares, sexuais e de poder, elucidam, contradizem, negam ou potencializam a história uns dos outros. Montar esse jogo de forma coerente e orgânica não foi fácil. Tive que ficar muitíssimo atenta aos detalhes da vida de cada personagem, às datas e genealogias. A forma como encontrei para não me perder nesse mosaico foi escrever o livro de forma não-seqüencial. Ao invés de seguir a ordem alfabética de A a Z, optei por uma vertente, digamos, mais relacional. Comecei pelo Antônio, depois parti para Sílvia (mulher dele), os filhos Eugênia, Ulisses e Vanessa, o amante casado de Eugênia (Jerônimo), além da empregada da casa (Irene) e a avó desta, Quitéria. E assim por diante. Dessa maneira, tive um controle maior do conjunto e me preservei da dispersão. Foi um exercício narrativo que, até então, eu não tinha experimentado de maneira tão intricada. Um desafio à minha própria imaginação. Quando me perguntam o gênero do livro, prefiro usar o termo “ficção”, para evitar os mal-entendidos (os quais não deixam, por outro lado, de fazer parte do jogo). Agora quero me dar outro desafio: sair das hibridações de gênero e escrever um romance-romance, de forma contínua, mas não necessariamente linear. Este é meu próximo projeto ficcional.
• E de repente, mas talvez nem tão de repente assim, surge a escritora Maria Esther Maciel. Mas isso, sabemos, sabem todos, é fruto de muita leitura, de muita reflexão, de uma longa e sinuosa estrada. Como você se transformou em leitora?
Comecei a ler cedo, por volta dos cinco anos de idade. Mas antes disso, eu já era fascinada por contos de fada e histórias de assombração. Eu tive uma madrinha e uma avó adotiva (ela morava nos fundos de minha casa e era uma benzedeira maravilhosa), que me alimentavam de ficções. Ao descobrir os livros, me perdi inteiramente no mundo das palavras. Fui uma leitora compulsiva quando adolescente. Tudo começou quando meu pai, que não era necessariamente afeito a leituras, mas admirava e estimulava o meu gosto pelos livros, me deu de aniversário uma coleção de romances da coleção Primavera, que incluía romances de Charles Dickens, George Elliot e Jane Austen, dentre outros, que me aliciaram. Depois descobri As mil e uma noites. Foi nesse período, por volta dos 14 anos, que eu decidi que queria ser escritora. Minha primeira tentativa de escrita foi uma novela passada no mundo árabe, com direito a deserto, camelos, sultões, princesas e escravos. Eu a publiquei, capítulo por capítulo, em um jornal de minha cidade, Patos de Minas. Depois, ao conhecer Drummond e Cecília Meireles, me encantei pela poesia e me pus a escrever poemas. O exercício da crítica também surgiu nessa época. Comecei a escrever resenhas dos livros de que eu gostava para os jornais locais e comecei a me dedicar à leitura de ensaios sobre literatura. Daí para o curso de Letras foi um passo. Digo que a criação e a reflexão surgiram quase que juntas na minha vida, o que fez com que essas duas atividades nunca fossem, para mim, áreas excludentes. Uma potencializa a outra. Sei que, durante um bom tempo, a atividade crítico-teórica se sobrepôs ao meu trabalho literário. Mas ao escrever os meus dois últimos livros de ficção, passei uma espécie de “des-recalque” do imaginário e pude reabilitar o meu lado escritora. Mais do nunca desejo me dedicar à criação.
• Nessa sua experiência inventiva, recente, há inúmeros elementos em meio à malha narrativa. Um desses elementos, um aspecto, na realidade, são frases, pontos de vista, que revelam conhecimento e visão de mundo. No fragmento-capítulo Antônio, se lê: “E pergunta-se de vez em quando se não seria um certo dom da loucura o que leva as mulheres a ser mais desmedidas que os homens”. Poderia comentar a frase? O que ela diz narrativamente? E o que tal frase diz, a partir de Maria Esther Maciel?
Sempre gostei de máximas e aforismos. No meu repertório de leituras estão sempre autores como Epicuro, Sêneca, Pascal, Francis Bacon, Baltasar Gracián, Montaigne, Cioran, que se dedicaram com maestria à arte dessas formas breves. Ao inserir algumas frases de efeito no meu livro, eu quis dialogar um pouco com essa tradição aforística que também guarda algumas afinidades com os velhos chavões das avós sábias de minha terra, numa época em que extrair ensinamentos da experiência cotidiana e passá-los, em forma de sentenças, às gerações posteriores era uma prática necessária, vital. Convivi, na infância, com algumas dessas senhoras que tinham algo daquele narrador benjaminiano, contador de histórias e dotado de uma sabedoria espontânea. No caso da frase que você menciona, digo que ela condiz com a experiência do personagem Antônio e se circunscreve, no plano narrativo, exclusivamente ao universo dele, embora possamos ou não adotá-la como nossa. Antônio casou-se com uma mulher complicada, para não dizer insana, que o atormentou a vida toda e da qual nunca conseguiu se desvencilhar, talvez por ter sido um homem frágil e, de certa forma, submisso. Ele também teve duas filhas de imaginação fértil e desmedida. Daí ele atribuir às mulheres esse “certo dom da loucura”, o que tem a ver com a relação do personagem com o universo feminino. Por outro lado, essa frase não deixa de ser contradita em outros “capítulos” do romance, já que nestes aparecem também personagens masculinos providos desse “dom” e mulheres de lucidez explícita… Em resumo, minha relação com tais frases é sempre ambígua e muitas vezes irônica, por eu acreditar que a vida não se deixa capturar ou explicar por nenhum tipo de assertiva, de sentença. Os aforismos e máximas, por mais encantadores e pertinentes que possam ser, são sempre pensamentos subjetivos, limitados a um juízo, uma experiência (ou até um delírio) particulares. Eu quis brincar um pouco com isso.
• Alguns dos personagens de O livro dos nomes são envolvidos com livro, leitura ou escrita. Isso seria outro elo que os amarra, une, distingue, enfim, que os caracteriza?
Interessante que só depois de o livro ficar pronto foi que percebi a recorrência desses envolvimentos dos personagens com livros, leituras e escritas. Mas atribuo isso, em certa medida, à minha experiência pessoal. Vivi minha infância e adolescência em Patos de Minas, onde existiam, na época, pelo menos duas excelentes livrarias, pertencentes a bibliófilos singulares. O acervo de uma delas, inclusive, foi mais tarde vendida a um sebo famoso de Belo Horizonte, tal o número de obras raras e importadas que lá havia. A outra era dirigida por um senhor muito culto, de origem italiana e especialista em Dante. Freqüentei muito essas livrarias e convivi com várias pessoas que também o faziam. Ou seja, era significativo, na década de 70, o número de leitores na cidade. Em minha família também havia um grande apreço à leitura e à escrita, sobretudo por parte das mulheres. Minha avó materna, que era professora de português, gostava muito de escrever e chegou a romancear a história de sua própria vida. Uma de minhas tias, dotada de uma linda e requintada caligrafia, também sempre foi afeita ao ofício da escrita. No início de minhas atividades literárias, eu procurava inclusive imitá-la, ser igual a ela. Minha mãe também lia bastante e adorava escrever cartas. Aliás, a troca de cartas e bilhetes era muito comum no meu período de formação e está presente de forma nítida no meu livro. Lembro que a prática de namorar através de bilhetes era algo normal, sobretudo quando os namoros eram proibidos. Assim, creio que tudo isso contribuiu para a minha ficção.
• No capítulo Catarina, lemos: “E até hoje se consideram felizes, apesar dos infortúnios sucessivos, dos dias inúteis, das sombras intrínsecas”. Pois isso não seria o destino de todos os personagens, da ficção e da realidade? O que se lê diz respeito ao casal do capítulo, mas não poderia vir a ser aplicada a toda a humanidade, humanidade ficcional e real?
Não necessariamente, pois nem todo mundo se considera feliz nos infortúnios e adversidades. Há os que “sangram em saúde”, que se afligem mesmo nas horas felizes. No livro há, inclusive, exemplos disso. O que eu quis evidenciar com Catarina e o marido é que, para eles, a chamada felicidade se reduz a um vida farta, socialmente realizada e financeiramente resolvida.
• Então, O livro de Zenóbia dialoga com o seu mais recente livro, seja por meio de umas estratégias ficcionais de descrição como pela presença de Zenóbia como personagem desta obra recente. Zenóbia se impôs neste recém-lançado? Pelo nome? Pela presença? Pela força? Ou pelo acaso?
A minha idéia inicial era escrever uma trilogia de Zenóbia. Mas como sou uma pessoa movida pelo desassossego e dada ao imprevisível, acabei me desvencilhando desse projeto fixo. Resolvi manter Zenóbia no horizonte de minha escrita, sem contudo dar a ela o papel de protagonista. A idéia da ordenação de meus personagens de A a Z, nesse sentido, foi providencial, pois ao aparecer no final, Zenóbia poderia funcionar como um elemento surpresa no desenlace ou entrelaçamento de minha trama de nomes e enredos. Ou seja, ela é uma personagem fundamental no agenciamento narrativo de O livro dos nomes, tem o seu momento (ainda que provisório) de protagonista, mas é também apenas um nome dentre vários outros. Sem dúvida, uso algumas estratégias ficcionais presentes em O livro de Zenóbia, como o apelo ao número par “com acabamento de ímpar” (para citar aqui João Cabral), a exploração do ritmo e da sonoridade das palavras, o apreço aos verbetes enciclopédicos, etc. Mas digo que o tom é bem diferente: é mais irônico e, em certas partes, tange uma certa crueldade — esta não necessariamente desprovida de lirismo. A narração, ao invés de se centrar em um único universo de relações como no primeiro livro, se molda de forma mais constelar e mostra diferentes versões de uma mesma história. Para resumir: é um livro de muitos enredos. E enredo, aqui, entendido tanto como entrecho, trama, urdidura, quanto como mexerico, ardil, maquinação. Um livro de vários “retratos”, de várias biografias inventadas.
• Patos de Minas, a sua cidade natal, entra e ganha espaço em sua ficção. Assim como a Recife de Bandeira, a Curitiba de Dalton, como tantas cidades de tantos outros autores. Qual a força de Patos de Minas real em seu imaginário e na construção desse cenário do livro recente?
Quando publiquei meu primeiro livro de poemas, Dos haveres do corpo, em 1984, coloquei como epígrafe de um poema dedicado a Patos de Minas um verso extraído de Kaváfis: “A cidade há de seguir-te”. É assim que explico a presença desse lugar em minha escrita e em meu imaginário: Patos (ou Pathos, como costumo grafar) me segue em tudo o que faço, em todos os meus caminhos. Vivi lá durante 18 anos, mas é como se esse tempo fosse para sempre. Lá me constituí como gente, descobri a poesia, tive acesso aos meus livros de cabeceira, encontrei o cinema (através de um excelente cineclube que exibia, no final dos anos 70, filmes de Antonioni, Godard, Resnais, Welles, Herzog, Buñuel), envolvi-me com movimentos políticos libertários, construí a minha trajetória afetiva. Tenho uma relação amorosa (e, como não podia deixar de ser, também ambígua) com a cidade, apesar de não ir lá com a mesma freqüência de antes. Digo que Patos de Minas e Londres (onde morei apenas por um ano) são minhas cidades do coração e da imaginação. Em O livro dos nomes eu quis explorar os encantos, as sombras, a vitalidade e as contradições de minha cidade, bem como o seu entorno e os seus pontos de interseção com outros lugares. Assim, elegi deliberadamente a região do Alto Paranaíba como cenário das tramas do romance. Mesmo porque é uma região pouco retratada na literatura brasileira e mineira.
• Dizem que determinado livro daria um filme. Particularmente, não acho que isso seja válido para seu livro mais recente. Seu livro é acima de tudo um livro, para ser lido, se bem que se alguém quiser poderá filmá-lo, por meio da adaptação. Mas o cinema faz parte de sua vida, por meio de pós-doutorado. Como o cinema interfere na sua produção literária?
Se o filme tiver como referência o modelo narrativo sucessivo-linear que caracteriza os romances convencionais e tomar a literatura como uma mera provedora de histórias, meu livro certamente não despertará muito interesse nos cineastas e roteiristas contemporâneos. Ainda assim, creio que o cinema foi uma referência incisiva para mim, visto que no livro busquei me valer de vários recursos cinematográficos, visíveis na estrutura em forma de montagem. A exploração de uma variedade de planos também está muito presente, bem como a atenção à visualidade das cenas narradas. Digo que o cinema é sempre uma grande inspiração para a minha literatura. Arrisco a dizer que meu apreço pelas séries e inventários tem a ver, em certa medida, com Peter Greenaway, Robert Altman, Agnès Varda, Eduardo Coutinho. Além disso, em uma de minhas personagens vejo ressonâncias explícitas de uma personagem de Antonioni do filme A noite. Ou seja, o cinema interfere sim, e muito, na minha criação ficcional.
• E como a vida acadêmica convive com a vida da Maria Esther Maciel ficcionista? Que pontos de conflito e contato existem entre as duas atividades?
Como eu já disse, não as considero como atividades dissonantes, excludentes. São duas experiências diferentes, mas que guardam pontos de afinidade. Creio que uma potencializa a outra, sem que nenhuma perca a sua singularidade. Minha relação com a vida acadêmica é bem flexível, aberta a outros “contágios” e interseções. Busco não me confinar aos seus limites. E digo que minha formação/atuação na universidade foi importante para a minha aprendizagem e o meu aprimoramento enquanto escritora. Tornou-me mais exigente em termos de linguagem, deu-me uma consciência maior do processo da escrita, sem contudo obliterar o outro lado, o da imaginação. Além disso, acho que o exercício criativo, ficcional, nunca deixou também de incidir no meu trabalho acadêmico e ensaístico. Procuro exercitar a crítica não como meio de desqualificar o outro, repetir fórmulas, seguir tendências da moda, mas como forma de potencializar as linhas de força do texto literário, flagrar seus pontos de tensão e irradiação, iluminar suas zonas de sombra, buscar os sentidos explícitos e imprevistos que o constituem. O que requer não apenas uma abertura à lucidez, mas também uma certa dose de vertigem e inventividade.
• Itabira pesou para um poeta da cidade. Pesa ser mineira e ter como referenciais pegadas, rastros de autores como Drummond, Rosa, Sabino, entre tantos, tantos outros que abriram estrada na malha ficcional brasileira?
Drummond já escreveu que “ninguém sabe Minas”, só os mineiros, embora estes não digam “nem a si mesmos o irrevelável segredo”. Faço minhas, até certo ponto, estas palavras, com o devido silêncio e sem nenhum peso. Quanto aos rastros e influxos da tradição literária de Minas, não os vejo como um fardo, já que compõem para mim um campo de irradiação: eles, sim, me iluminam e me potencializam. Prefiro manter com esses poderosos escritores uma relação mais musical que museológica (como diria Haroldo de Campos) e, nesse sentido, recebo o legado que deixaram mais como um conjunto de modulações do que como um modelo, um peso. É certo que eu já quis seguir as pegadas de Drummond, que foi um poeta medular para a minha formação, mas hoje meu diálogo com sua poesia já não passa mais pela angústia da influência. Está na ordem da leveza.
• O livro dos nomes começa, de fato, na capa. A idéia dos polígonos dialoga com os capítulos que terão conexão uns com os outros. A edição, enfim, está ótima. Quais as diferenças, de fato, de ter sido editada por uma grande editora após ter publicado edições, entre artesanais e por editoras pequenas?
Fiquei muito feliz com a edição, pois a Companhia das Letras realmente caprichou. A capa, pela sua simetria assimétrica, tem tudo a ver com a estrutura do livro. Para mim foi muito gratificante ter sido publicada por uma editora que sempre admirei pela alta qualidade do catálogo e pelo apuro gráfico na feitura dos livros. Digo que grande parte de meus autores de preferência (nacionais e estrangeiros) está na Companhia, o que aumenta ainda mais a minha satisfação. Mas digo que sempre tive uma relação muito boa com praticamente todas as demais editoras que publicaram livros meus: 7Letras, Experimento, Autêntica e Lamparina. Foram experiências editoriais inesquecíveis. Todas essas editoras se empenharam em fazer belas edições de meus trabalhos e em divulgar os livros da melhor maneira possível. Publicar agora por uma grande e importante editora não deixa de ser uma dádiva. E ao contrário do que se pensa, isso não significou um tratamento frio e distanciado por parte da equipe editorial. Digo que fui tratada com cuidado e carinho por todos da editora. Para completar, a distribuição (maior problema das pequenas editoras) tem sido impecável. Agradeço muitíssimo ao Milton Hatoum, que leu os originais e me estimulou a enviá-los à Companhia das Letras.
Você é mais prosadora, poeta (ficcionista enfim?), ensaísta, professora?
Penso que sou tudo isso ao mesmo tempo. Não consigo separar uma atividade da outra e me dedico, com intensidade, a todos esses ofícios. Nunca renego o trabalho de professora em prol do trabalho ficcional, pois dar aulas me coloca em uma relação muito vívida e dinâmica com a literatura. Adoro o contato com os alunos e acho a sala de aula um espaço estimulante para os vôos criativos. Além disso, minhas pesquisas estão sempre em sintonia com a minha literatura, já que só estudo temas e autores que me apaixonam e me provocam a imaginação. Por exemplo: conduzi, nos últimos cinco anos, uma investigação sobre o uso crítico-criativo, por parte de escritores e artistas contemporâneos, dos sistemas de classificação do mundo e do conhecimento (listas, enumerações, coleções, catálogos, arquivos, verbetes enciclopédicos, inventários, estatísticas, genealogias, recenseamentos). A pesquisa me rendeu dois livros de ensaios (um em fase de preparação) e dois livros de ficção (O livro de Zenóbia e O livro dos nomes). Para não dizer dos vários cursos e palestras que ministrei sobre o tema. A prática da multiplicidade é o que define o meu horizonte literário e intelectual. Não à toa busco inspiração em autores como Jorge Luis Borges, Octavio Paz, Italo Calvino, J. M. Coetzee e Haroldo de Campos, dentre outros, que nunca tomaram tais atividades como campos dissidentes.