“Não existem férias na escrita”

Marina Colasanti rejeita a ideia de férias para quem trabalha diariamente com a criatividade e a literatura
28/02/2018

Marina Colasanti, que em 2017 completou 80 anos, é uma das vozes mais importantes da literatura brasileira, passeando entre títulos infantis, infantojuvenis, contos e crônicas. Nascida na cidade de Asmara, na Eritreia, então colônia italiana, a escritora veio com a família para o Brasil após a Segunda Guerra Mundial.

Estar de férias parece uma ideia distante para a escritora que, vira e mexe, está envolvida com um novo livro — no total, sua bibliografia abraça mais de 50 títulos —, uma crônica ou outro texto. Sua escrita rendeu prêmios como Jabuti, APCA, Portugal-Telecom, além do prêmio de Melhor Livro do Ano da Câmara Brasileira do Livro e da Biblioteca Nacional.

Para a autora de Uma ideia toda azul, Thomas Mann, em especial o livro A montanha mágica, é um divisor de águas na sua vida de leitora — que devorou o volume enquanto se recuperava de uma hepatite. “Nenhum leitor é completo sem ter lido esse livro”, diz nesta entrevista ao Rascunho.

• Como são as férias para uma escritora? Esse é um momento de leitura ou distanciamento dos livros?
Como são as férias para uma escritora não sei. Só sei desta escritora, que não tem férias desde que saiu da redação. Não existe um mês em que eu determine: estou de férias, e dispa o traje/couraça do trabalho. Quando acabo de escrever um livro novo, tenho a sensação de entrar em férias. Mas é só uma sensação, porque a correspondência continua a chegar e todos têm urgência de resposta. Há sempre um texto a fazer, uma crônica a escrever, uma conferência a preparar, uma reedição a cuidar, quando não ilustrações. E o próximo livro, que vai sendo arquitetado em lenta ruminação cerebral, preparando seu tempo de acontecer. Quando porventura tenho tempo livre — ou o fabrico — é para ler e mais ler.

• A senhora usa as férias como um período criativo? Como é a sua dinâmica nesse momento?
Não tendo férias propriamente ditas, divido o ano em duas partes principais. De janeiro a maio, menos compromissos, menos viagens, é meu tempo principal para a escrita de novos livros. É quando tenho condições de concentração. A partir de junho o bicho começa a pegar mais pesado, picotando a concentração, e no fim do ano, é desmanchar uma mala para fazer outra.

• Existe algum momento marcante das suas férias na infância que reverberou na sua literatura?
Sim. As férias anuais de verão na costa Adriática, e as férias de Natal na montanha coberta de neve alta no último ano da guerra.

• Como a senhora contrapõe as lembranças boas da infância com o fato de seus pais terem saído da Itália por conta da guerra?
Meu pai saiu para o Brasil — que já conhecia e onde tinha parte da família — assim que a guerra acabou. Mas meu irmão e eu só viemos, com nossa mãe, dois anos depois, quando a Itália começava a se reerguer. A guerra não impede as boas lembranças nem os bons momentos. Debaixo de bombardeios os ingleses iam ao teatro. Em situações adversas, o ser humano cria espaços de bem querer e de alegria, mantêm vivo o desejo como forma de sobrevivência.

• Houve algum autor que a senhora descobriu nas leituras de férias e que acabou por se tornar essencial na sua formação como leitor?
Não eram exatamente férias, era repouso obrigado pela hepatite, mas eu o vivi como se férias fossem. E deitada na rede li, fascinada, A montanha mágica, de Thomas Mann. Nenhum leitor é completo sem ter lido esse livro.

• Que lembrança de férias a senhora ainda carrega consigo?
Sol e mar. A límpida água das praias italianas, a água funda e azul do Arpoador, a água doce e parada da piscina do Parque Lage. Nadei muito, mergulhei muito. Hoje guardo a água na pele.

• Que livro a senhora indicaria como leitura para as férias?
Só um?! Se for só um: aquele mais denso, que durante o ano desejamos muito ler e que não encaramos achando que não teríamos tempo para o mergulho. Aquele que nos deixará mais ricos quando as férias acabarem.

Jonatan Silva

É jornalista e escritor, autor de O estado das coisas e Histórias mínimas.

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