Literatura para mim é profissão

Luiz Ruffato comenta sobre férias e como as memórias de infância ainda reverberam na sua literatura
02/02/2018

Sem tirar férias desde 2003, quando fez da literatura o seu ganha-pão, Luiz Ruffato, antes de tornar-se escritor, trabalhou como torneiro mecânico na indústria têxtil e passou boa parte da infância e da pré-adolescência em Rodeiro, colônia italiana perto de Cataguases (MG).

Desse período, o autor de Eles eram muitos cavalos guarda as principais lembranças das férias e das primeiras leituras que fez de Machado de Assis, autor que o acompanha até hoje. “Machado de Assis não é o maior autor brasileiro, nem mesmo o maior autor da língua portuguesa. É um dos maiores autores universais — de qualquer tempo, de qualquer língua”, explica.

Para Ruffato, literatura não é refúgio contra o “mundo real”, mas uma profissão como as demais. Nesta entrevista, ele comenta a respeito de sua carreira e seus hábitos literários.

• Como são as férias para um escritor? Esse é um momento de leitura ou distanciamento dos livros?
Eu nunca tirei férias, desde quando me tornei escritor profissional, em 2003.

• Existe algum momento marcante das suas férias na infância que reverberou na sua literatura?
Todos os períodos de férias escolares da minha infância e pré-adolescência foram usufruídos em Rodeiro, colônia italiana perto de Cataguases (cerca de 60 quilômetros), de onde provêm meus pais. Cataguases era e é uma cidade industrial, indústria têxtil, e Rodeiro era — não é mais — uma área rural, de pequenas fazendolas de cultura quase de subsistência. Para mim, era um contraste impressionante sair do cortiço onde morava em Cataguases (espaço exíguo de casas geminadas, tempo marcado pelo apito do relógio da fábrica) e habitar, por um longo período, a roça onde moravam meus tios (espaço amplo dos campos cultivados, tempo marcado pelo nascer e pôr do sol).

• Houve algum autor que você descobriu nas leituras de férias e que acabou por se tornar essencial na sua formação como leitor?
Machado de Assis. Numa das últimas visitas a Rodeiro, quando as famílias já haviam abandonado o campo e a região tornava-se paulatinamente um polo da indústria de móveis, levei livros para ler. A fazendola já nada produzia, pois não havia braços para tocar a lavoura, e na casa-sede, quase em ruínas, só morava um casal de tios, que insistia em manter fixas as raízes. À noite, à luz de velas, reli — havia lido como obrigação na escola — Machado de Assis. E foi um alumbramento. Nunca mais deixei de reler sua obra — todos os anos, revisito-o, ritualisticamente. Machado de Assis não é o maior autor brasileiro, nem mesmo o maior autor da língua portuguesa. É um dos maiores autores universais — de qualquer tempo, de qualquer língua.

• Antes de tornar-se escritor, você trabalhou, dentre outras coisas, como operário têxtil. Para você, a literatura foi uma espécie de férias, um refúgio?
Literatura para mim é profissão. Nunca a encarei como refúgio, como algo diletante. No meu caso, o que ocorreu foi uma mudança de profissão: deixei de ser torneiro-mecânico para ser jornalista e deixei de ser jornalista para ser escritor.

• Que livro você indicaria como leitura para as férias?
O conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, na edição integral da Zahar. Um dos maiores monumentos da literatura em todos os tempos. O livro mais amargo que li na minha vida. Esqueça as edições condensadas que você leu por aí. Esqueça os inúmeros filmes que açucaram a história, a ponto de torná-la irreconhecível. O conde de Monte Cristo é um personagem trágico, um estudo da tortura pela vingança, um homem condenado pelo passado.

Jonatan Silva

É jornalista e escritor, autor de O estado das coisas e Histórias mínimas.

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