Manoel Ricardo de Lima nasceu em Parnaíba, Piauí, em 1970. Atualmente mora em Fortaleza, onde trabalha como professor de Literatura Brasileira da Universidade Federal do Ceará (UFC), e é articulista de literatura do jornal O Povo, caderno Vida & Arte.
É um dos coordenadores do Núcleo de Literatura do Alpendre — uma casa de arte pesquisa e produção, um espaço voltado para a discussão e a pesquisa da arte contemporânea. Ali desenvolve trabalho com um grupo de pesquisa e o projeto Uma Conversa: Poesia.
Faz parte do conselho editorial da revista de poesia Monturo, de Santo André (SP), e da revista de arte e cultura Afinidades Eletivas, de Fortaleza (CE).
É autor dos livros Falas Inacabadas — objetos e um poema (Tomo Editorial), junto com a artista plástica gaúcha Elida Tessler; e de Embrulho, editora Sette Letras.
• Falas Inacabadas procuram reticências ou vírgulas?
Substantivos. Ou trazer a idéia de que um poema sempre tece outro poema, um sentido de arte sempre traz outro sentido. Mas de fato, e mesmo, substantivos.
• “A palavra/toda e qualquer/desnecessidade.” Quando a palavra é necessária?
Quando tem força sozinha, sem precisar explicação. Quando possui delicadeza em si, sem destrambelhar. Sem ser prolixa, mas exata. Depois, em se tratando de um poema, sempre.
• “Esconde /mora e moribunda/cidade”. De qual cidade está falando?
Da cidade imaginária que nos habita a alma. Toda a minha referência é de uma cidade, não o conceito evasivo de cidade única, mas um outro, de que a cidade permeia a casa, a rua, um rio que corta, ou por dentro mesmo. Sem definir mais o que seria interior ou exterior, e todo o movimento de paisagem de transformação rápida que ela possui. Esta cidade não precisa ser um espaço físico, ou apenas um espaço físico.
• Qual influência tem de José Paulo Paes?
Não sei. Acho que nenhuma. Não entendi o porquê José (?). Acho que tenho muito mais dos poetas de minha geração, com quem dialogo, e de algum um ou outro que sempre li e escolhi ou tomei como prumo para meu trabalho.
• O embrulho é o que protege e esconde? Por que Embrulho?
Embrulho de coisas, de vários sentidos num mesmo andamento, feito jazz, em síncopes. Embrulho pode ser o que é feito pelo homem comum, do povo, e que armazena o pão: comida: para alma, para o corpo, para o que pode apontar adiante. Para tornar fechado o poema, empacotado, dentro, para ser desembrulhado, lido, deslido.
• O neologismo é o recurso moderno? O poeta é um criador de palavras?
O poeta é um fazedor de palavras, ou de função para elas.
• O que você tem de artista plástico? E a sua poesia?
De artista plástico, acho que nada. Mas gosto de ver o que estou lendo e escrevendo, sou muito visual. No Falas Inacabadas, apenas a idéia da Elida Tessler de trabalhar com o que está deslocado no mundo: restos de coisas, de objetos. E isto sempre interessou para minha poesia. A Elida foi, de verdade, um presente que ganhei. Ela, como a pessoa humana bonita que é; e o trabalho dela, para o meu. Não haveria o Falas Incacabadas sem a Elida. Entende?
• Como é a “casa poética” de Manoel Ricardo de Lima? O que deve ter um poema de sua autoria?
A casa é o lugar mais seguro do mundo. Como disse Calvino: “Uma explicação geral do mundo e da história deve levar em conta, antes de mais nada, a localização de nossa casa”. A minha poesia não quer explicar o mundo nem a história, mas toma como ponto de ida e chegada a minha casa. Embrulho, por exemplo, é um livro de formação e de percurso, acho que isso é claro, e a referência é sempre a casa. Um poema meu deve pensar, ou tentar pensar, o tempo em que vivo e discutir sentido para a própria poesia. É muito? talvez. Mas é isso.
• No poema Quem Continua há uma fusão de palavras e cortes cinematográficos. Concorda?
Há sim. O Quem Continua e o Quem Continua 2 são poemas que trabalham com a idéia de montagem do cinema porque falam disso: de alguma coisa relativa a uma idéia de continuidade. Estes como os outros desta parte do livro que se chama Das Pequenas. Mas desta parte são todos mesmo poemas interrogativos sobre o amor.
• “Andar com/a mão na/outro.” É andar de mãos dadas?
Acho que sim. Poderia ser. Dizer o quê?
• Dar milho aos pombos é dar farelo aos peixes?
Quem Tem Farelos é o título de uma peça de Gil Vicente. Gostei desse nome e pus lá porque tem a ver com o poema, o fato mesmo de jogar farelos ao peixes e o tom de pergunta: quem tem? quem tem que jogue, que se jogue no mundo, que mergulhe, que arrisque. Poesia é, a meu ver, estar correndo risco em todos sentidos para a vida.
• O que o seu albatroz tem de baudelairiano?
Não sei ao certo. Talvez a idéia de passagem, ou a de estar insistindo, persistindo no que acredita. Ou apenas a de estar no mundo pensando ser “um tradutor de seu tempo”, ou um sentido outro que seria o de uma espécie de contemplação ativa, se é que isso existe. Ou talvez nada disso.
• Qual uso faz da internet?
E-mail. Quase só isso. Mas diariamente. Tenho uma correspondência ativa pela internet.
• Quem é o escritor brasileiro?
Um abnegado. Um forte. Quando trabalha sua literatura na trajetória do risco, do limite com a linguagem e com a sua cultura e com outras culturas e desdenha se vai ser premiado, lido, bem recebido etc. Mas quer fazer literatura mesmo, ou outra coisa que ainda não tenha sido pensada. Ao contrário disso, muitas vezes, há um outro: um fácil, que quer ser lido, prêmios, academias, ovações, repetições e diluições. Com estes não topo, nem tomo sentido.
• Tem algum mote?
Não, nenhum. Talvez estar vivo enquanto dá porque a barra é meio muito pesada. Não?
• Qual papel do escritor na sociedade?
Estar atento ao seu trabalho, pensar a realidade que o cerca, o mundo em que vive, ter compromisso com seu tempo, com a linguagem, procurar diálogo, estar no mundo, ter alguma dignidade e um resto de delicadeza e serenidade. Trabalhar no risco, no limite. Olhar para a frente, feito o anjo de Klee. Assim, penso eu, se estabelece um pacto com a cultura e com a linguagem, com a arte, e algum compromisso com a vida, com o mundo em que vivemos.