O catarinense — radicado em Curitiba desde a década de 1960 — Cristovão Tezza inaugura a série de entrevistas do Rascunho com escritores brasileiros e seus hábitos de férias. Na conversa, o Tezza explica sua relação — íntima e profissional — com esse período do ano tão esperado por grande parte da população.
Dono de uma vasta obra literária, o autor de O filho eterno tem em seu currículo premiações como Jabuti, APCA, Portugal-Telecom, Prêmio São Paulo de Literatura, entre outros.
Tezza, figura fundamental para compreender a cena da literatura contemporânea, já está com um novo livro a caminho, A matemática da vida, como revela com exclusividade neste bate-papo. A voracidade com que escreve é parecida com a que lê — o que faz de Cristovão Tezza um sujeito ímpar entre seus pares.
• Como são as férias para um escritor? Esse é um momento de leitura ou distanciamento dos livros?
Escritor não tem férias, porque de certa forma escrever literatura não é um emprego no sentido utilitário da palavra. Como sou basicamente um romancista, alguém que passa de um a três anos envolvido num mesmo livro, escrevendo todos os dias, a ideia de “férias” funciona como o período em que não estou escrevendo ficção. Para mim, férias significam justamente mais tempo livre para ler.
• Você usa as férias como um período criativo? Como é a sua dinâmica nesse momento?
A cabeça não para. Terminei um romance há alguns dias (A matemática da vida) e já começo a me coçar atrás de uma boa arquitetura para o próximo livro. É um período vago de uns seis meses, talvez um ano, imagino, até meter a mão na massa de novo e me alugar por um bom tempo.
• Existe algum momento marcante das suas férias na infância que reverberou na sua literatura?
Eu diria momentos marcantes da infância — a morte do pai, a mudança para Curitiba — mas não especialmente de “férias”. Não tenho uma imagem muito nítida de “férias” na minha vida.
• Houve algum autor que você descobriu nas leituras de férias e que acabou por se tornar essencial na sua formação como leitor?
Não especialmente. Depois que me tornei um leitor sistemático, no início dos anos 1960, frequentando a Biblioteca Pública do Paraná e a Biblioteca do Colégio Estadual, a leitura passou a ser uma atividade permanente. A própria leitura representava instantes de “férias”, em meio à agitação da vida real, por assim dizer. Era um falso escapismo, porque a leitura vai nos transformando.
• Após O filho eterno você abandonou a carreira acadêmica para se dedicar à literatura. Para você, a literatura é um trabalho ou você está em “férias perpétuas”?
É uma classificação difícil: os dias são entidades abertas para mim. Vou vivendo.
• Que livro você indicaria como leitura para as férias?
Vou citar quatro ótimos livros que trouxe para a praia de Gaivotas (onde estou no momento) e que já devorei: de poesia, a Antologia poética, de Marcelo Sandmann, uma bela edição da Ateliê que acaba de sair; de contos, A teta racional, de Giovana Madalosso (Grua Livros), uma surpresa maravilhosa; de romance, Acre (Todavia), de Lucrecia Zappi, um estudo sutil sobre o jogo do ciúme; e de não ficção, Meshugá — um romance sobre a loucura (José Olympio), de Jacques Fux, uma coleção original, delirante e irresistível de histórias (reais) de judeus “fora do esquadro”.