“Escritor não tem férias”

Autor de "O filho eterno" inaugura especial do Rascunho sobre as férias de quem vive exclusivamente da escrita
Cristovão Tezza, autor de “A tirania do amor”
06/01/2018

O catarinense — radicado em Curitiba desde a década de 1960 — Cristovão Tezza inaugura a série de entrevistas do Rascunho com escritores brasileiros e seus hábitos de férias. Na conversa, o Tezza explica sua relação — íntima e profissional — com esse período do ano tão esperado por grande parte da população.

Dono de uma vasta obra literária, o autor de O filho eterno tem em seu currículo premiações como Jabuti, APCA, Portugal-Telecom, Prêmio São Paulo de Literatura, entre outros.

Tezza, figura fundamental para compreender a cena da literatura contemporânea, já está com um novo livro a caminho, A matemática da vida, como revela com exclusividade neste bate-papo. A voracidade com que escreve é parecida com a que lê — o que faz de Cristovão Tezza um sujeito ímpar entre seus pares.

• Como são as férias para um escritor? Esse é um momento de leitura ou distanciamento dos livros?
Escritor não tem férias, porque de certa forma escrever literatura não é um emprego no sentido utilitário da palavra. Como sou basicamente um romancista, alguém que passa de um a três anos envolvido num mesmo livro, escrevendo todos os dias, a ideia de “férias” funciona como o período em que não estou escrevendo ficção. Para mim, férias significam justamente mais tempo livre para ler.

• Você usa as férias como um período criativo? Como é a sua dinâmica nesse momento?
A cabeça não para. Terminei um romance há alguns dias (A matemática da vida) e já começo a me coçar atrás de uma boa arquitetura para o próximo livro. É um período vago de uns seis meses, talvez um ano, imagino, até meter a mão na massa de novo e me alugar por um bom tempo.

• Existe algum momento marcante das suas férias na infância que reverberou na sua literatura?
Eu diria momentos marcantes da infância — a morte do pai, a mudança para Curitiba — mas não especialmente de “férias”. Não tenho uma imagem muito nítida de “férias” na minha vida.

• Houve algum autor que você descobriu nas leituras de férias e que acabou por se tornar essencial na sua formação como leitor?
Não especialmente. Depois que me tornei um leitor sistemático, no início dos anos 1960, frequentando a Biblioteca Pública do Paraná e a Biblioteca do Colégio Estadual, a leitura passou a ser uma atividade permanente. A própria leitura representava instantes de “férias”, em meio à agitação da vida real, por assim dizer. Era um falso escapismo, porque a leitura vai nos transformando.

• Após O filho eterno você abandonou a carreira acadêmica para se dedicar à literatura. Para você, a literatura é um trabalho ou você está em “férias perpétuas”?
É uma classificação difícil: os dias são entidades abertas para mim. Vou vivendo.

• Que livro você indicaria como leitura para as férias?
Vou citar quatro ótimos livros que trouxe para a praia de Gaivotas (onde estou no momento) e que já devorei: de poesia, a Antologia poética, de Marcelo Sandmann, uma bela edição da Ateliê que acaba de sair; de contos, A teta racional, de Giovana Madalosso  (Grua Livros), uma surpresa maravilhosa; de romance, Acre (Todavia), de Lucrecia Zappi, um estudo sutil sobre o jogo do ciúme; e de não ficção, Meshugá — um romance sobre a loucura (José Olympio), de Jacques Fux, uma coleção original, delirante e irresistível de histórias (reais) de judeus “fora do esquadro”.

Jonatan Silva

É jornalista e escritor, autor de O estado das coisas e Histórias mínimas.

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