Entrevista com Maria José Gíglio

Entrevista com Maria José Gíglio
Maria José Gíglio, autora de “Fogo de Artifício”
01/11/2004

• A primeira pergunta é inevitável. Por que o afastamento que você se impôs?
Não me impus nenhum afastamento. Aconteceu, fruto de situações e circunstâncias inesperadas. Pretendi apenas intercalar sessenta quilômetros de estrada entre uma casa e outra enquanto tramitava um processo de divórcio. Pensei em alguns meses, um ano talvez. Cinco anos depois, quando finalmente terminou, eu era outra pessoa e o retorno à Capital inexeqüível.•

• Seu último livro foi lançado em 1986, com o título Não. Esse Não do título é bastante expressivo. De lá para cá, você apenas participou de antologias. É isso mesmo que você escolheu?
Não foi meu último livro escrito em São Paulo. Seu título e tema expressam claramente a decisão de um ponto final a um momento de vida. Diferente da negação conceitual, filosófica, dos meus dois livros anteriores: Poema total e Salmos abstratos. Completando sua pergunta: são os organizadores das antologias que me escolhem.

• Como você analisa a poesia produzida hoje no Brasil? Você acompanha o tal panorama da poesia brasileira? Você acompanha os absurdos que correm soltos na tal poesia brasileira?
Não analiso. Corro os olhos pelos livros que me enviam. Acuso recebimento, agradeço e retribuo quando tenho algo novo a oferecer. Só. Jamais me arvorei como crítica. Nunca aceitei escrever uma apresentação, sequer uma orelha. Tampouco me ocupo em acompanhar panoramas ou absurdos da poesia brasileira. Isso porque minha visão, meu trato, experiência e objetivo com a poesia são totalmente outros, tão especiais, diferentes e próprios que não há como utilizar como parâmetro para medir valores ou desacertos.

• Você é uma poeta traduzida para o italiano, espanhol, inglês, francês, húngaro. O que significa ou significou isso para você?
Nada. O que pode significar um poema traduzido aqui e ali? Não sou dada a devaneios de reconhecimento, fama ou coisa que o valha. Não espero ser lida em um país de analfabetos, nem aplaudida no exterior pela simples figuração em uma coletânea. O que torna um autor imortal e sua obra um valor perene, é absolutamente imponderável. Não adianta descer uma avenida parisiense com uma lagosta viva atrelada a uma coleira, como contam que praticou o poeta Gérard de Nerval. Coisa alguma serve de suporte a uma obra se ela por si mesma não se mantém em pé.

• Nas entrevistas que ainda realizo para suplementos culturais do país, especialmente com poetas, faço sempre uma pergunta que parece repetitiva, mas para mim ela é necessária: Afinal, para que serve a poesia?
Para sensibilizar, e gostaria que essa palavra fosse entendida em seu mais amplo leque de significados e conseqüências. Então, a poesia serve para sensibilizar quem a pratica, ouve ou lê. Para provocar estesia e com ela atingir as dimensões mais profundas da psique humana. Só passei a me considerar poeticamente realizada ao alcançar este propósito. Evidentemente, não me refiro à emoção, enternecimento. Estou falando de estese, esse sentimento avassalador que toma de assalto e sacode quem o experimenta. Ninguém sai incólume de seu contato, nem é capaz de suscitá-lo a banalidade.

• Você tem planos em voltar a lançar livros de poesia?
Estranho esta sua pergunta. Percebo por ela que você não considerou como livros as últimas publicações que lhe enviei. São livros Para violino solo, O corpo do mundo e Cartilha críptica: Poesia brinquedo. Estão editados em formato revista por facilidades obtidas aqui e barateamento de custos. É um projeto para cinco números. No próximo ano sairá Fogo de artifício, e em 2006, Crípticos ocasonais. Em 2008, se viver até lá, estarei completando Jubileu de Ouro Literário e talvez se edite algo comemorativo.

• Nas vezes que a gente conversa, sempre noto um tom de mágoa em relação à literatura e especialmente à poesia, melhor dizendo, ao que se vê de lastimável por aí. É certo ou errado dizer que você se desencantou?
Errado. Lastimo ter transmitido a você essa impressão negativa. Não teria sobrevivido literariamente se não tivesse, há muito tempo, me tornado auto-imune à mediocridade. Cultivo o humor, gosto de rir. O que dói, talvez daí o seu engano, é o alto preço que pago pela lucidez. Manter acesa a chama do discernimento em meio à escuridão circundante é um pesado ônus. Também o exercício cotidiano de uma singular liberdade atiça a ira dos subjugados. Retaliam com hostil silêncio, escura ausência amiga ou afetiva. Mas tenho a compaixão como a mais alta conquista humana. E esse esplêndido solvente dilui a amargura, clareia e salva.

Alvaro Alves de Faria

É escritor.

Rascunho