Luci Collin é econômica. Escreve pouco, bem pouquinho. Sem muita pressa. Vai devagar. Mas é como o assassino com faca afiada: dilacera lentamente a vítima. E, quando nos damos conta, a vida é só um suspiro. A brevidade de Luci engana. Precioso Impreciso (Ciência do Acidente, 62 págs.) é uma prova muito bem acabada disso. São poucos minutos de leitura, uma passadela de olhos. Um soco certeiro de boxeador. O golpe é seco. São 12 textos. Inclassificáveis: contos? Prosa-poética? Crônicas? Poemas disfarçados… Não importa. O texto dispensa classificações. É bom texto. E ponto. Luci Collin leciona na Universidade Federal do Paraná e é autora dos livros de poesia Estarrecer (1984), Espelhar (1991), Esvazio (1991), Ondas e Azuis (1992), Poesia Reunida (1996) e Todo Explícito (1997) e dos contos de Lição Invisível (1997).
• Com tantos prêmios em poesia, o que fez você migrar para o conto ou é apenas uma aventura?
“Migrar” conota passar para uma condição mais favorável e sugere não ser ideal escrever poesia, o que no meu caso não é verdade. O meu primeiro livro de contos foi lançado em 1997 e assim um segundo livro já não é aventura. O conto é fascinante por ser, como Edgar A. Poe já previra no século 19, uma forma breve e que se adequa muito à nossa condição contemporânea de tempo escasso para freqüentação de literatura. Mas ambos, conto e poesia, me atraem muito sobretudo por serem breves, requerendo grande concentração de emoções.
• Quando sua prosa é prosa-poética?
Há uma identidade bastante musical — melódica e ritmicamente — nos meus escritos, possivelmente resultante de meu longo envolvimento com a música. A sonoridade das palavras me maravilha e acabo explorando esta qualidade, que muitos identificam de imediato apenas com a poesia, na ficção. Acredito que há frases que, antes de seu sentido semântico, têm um “sentido sonoro”, estético e encantatório.
• No conto Carta de despedida — da primeira tragédia em língua vulgar, quando o contista se sente a salvo?
Carta… é um relato extremamente irônico sobre nossa perpétua condição de emergência em vários âmbitos da existência, não apenas na literatura e ironiza a fragilidade humana banalizada através dos chavões. (Se é sobre um contista, não se sente a salvo nunca…)
• “Cansaços de eternos discursos cheios de adjetivos. Subordinação de frases.” Este cansaço é o cansaço da contista? É uma preocupação formal?
Não, neste conto (Alquime) reflete puramente a condição de uma mulher que optou por um tipo de vida carregado de reverberações sem sentido e dolorosamente mecânicas. Não é metaliterário.
• Seu texto é ágil, rápido. Qual influência tem do jornalismo?
Nenhuma, possivelmente. Estas características vêm da observação do discurso coloquial e da leitura de autores que investem em frases densas mas curtas, como Eugene Ionesco.
• “Talvez instaure distância enquanto avanço pretendendo domínio.” Até que ponto este recuo é uma verdade em seu estilo como escritora?
Não tenho esta premeditação dos discursos amorosos enquanto escritora! Escrevo para comunicar o que, quando acontece, gera uma cadeia de emoções divididas entre leitores. Não me sinto recuando muito; na verdade embora sendo irônica, minha ficção é explícita.
• Como o hai-cai lhe influencia?
Embora eu tenha devotado interesse ao pensamento oriental — principalmente estudando escritores ocidentais ligados à filosofia oriental — a forma haicaística, de uma beleza e complexidade muito instigantes, não é de fácil domínio (ao contrário do que pensam muitos pseudo-poetas) e não vejo nenhuma tentativa de minha parte de reproduzi-la nos meus textos porque demanda um conhecimento profundo de filosofia que eu não tenho.
• “Importa é esconder olhares dúbios atrás dos móveis e das roupas pesadas.” Até que ponto o conto é um jogo?
No mecanismo de cumplicidades, nas táticas, no re-velado e principalmente nos silêncios que existem por trás de cada carta que se coloca sobre a mesa. Ou no saber que o blefe é um blefe.
• Por que a venda do livro é tão difícil no país?
Marketing e todo o mecanismo extra-literário me atraem muito pouco, de forma que não saberia responder esta pergunta adequadamente. O artista — sim, um livro é um objeto de arte — existe na esfera do estético e de sua transformação em forma. O que vem a seguir é chatíssimo e envolve complexidades nada positivas que Marx e Freud explicaram há muito e que continuam absurda e irreversivelmente na moda.
• Como encara a internet? O livro acaba?
A Internet é um desdobramento fantástico da inteligência e da sensibilidade humana. O livro começa! O livro se multiplica e adquire expressões extraordinárias. O escritor do século 21, que escreverá hiperliteratura, terá uma sensibilidade muito especial e uma visão muito dinâmica das coisas. O leitor será igualmente especial. A seu devido tempo, a literatura adquirirá uma dimensão muito maior do que tem hoje graças ao advento da web. Lastimo muito não estar aqui para ver o que acontecerá no século 22.