Ricardo de Carvalho Duarte, o Chacal (Rio de Janeiro, 1951), estreou aos 20 anos com os poemas de Muito prazer, Ricardo (1971). Hoje, aos 66 anos, ainda enxerga na poesia “a resistência do ser”.
Chacal é um dos principais representantes da geração mimeógrafo — movimento literário de autopublicação, fenômeno da década de 1970, do qual também fizeram parte nomes como Ana Cristina Cesar, Cacaso, Waly Salomão, Zulmira Ribeiro Tavares, entre outros. A produção desses poetas marginais foi reunida na coletânea 26 poetas hoje (1976), organizada por Heloisa Buarque de Hollanda.
Mais de quatro décadas após sua primeira publicação, que se deu em meio às dificuldades do regime militar, Chacal segue produzindo, mesmo afirmando que “poesia não é nada popular”. Essa condição, porém, não é um impedimento para o carioca, que afirma: “poeta é bicho tinhoso. Vive da adversidade”.
Já como agitador cultural, Chacal está à frente do Centro de Experimentação Poética, o CEP 20.000, no Rio de Janeiro, desde 1990. Sua obra foi reunida em 2016 na coletânea Tudo (e mais um pouco), e não deve parar por aí — ao ser questionado, nesta entrevista publicada com exclusividade no site do Rascunho, se podemos esperar mais algum livro, respondeu: “Sempre”.
• Cada escritor possui um modus operandi, por assim dizer. Você poderia comentar sobre as opções formais que norteiam seu projeto literário?
O mínimo múltiplo comum. Amor/humor. Abrir espaço para o erro. Ler com o leitor.
• Quais os principais desafios para a edição de poetas no Brasil de hoje? O que mudou depois que você ajudou a fundar Colaboratório, experiência gráfica de autogestão?
O principal desafio será sempre chegar ao leitor. Para isso, temos que superar o pouco caso de editores, professores, mídia e academia com a poesia. Mas poeta é bicho tinhoso. Vive da adversidade.
• Quais escritores brasileiros contemporâneos você tem lido? Ou, afastando a pergunta de nomes específicos, para pensar a literatura brasileira atual como um todo: o que você vê?
Muita diversidade. Tenho lido André Dahmer, Roberto Correia dos Santos, Angélica Freitas, Ana Martins Marques, Regina Azevedo. Leio menos poesia do que deveria. Ler, pra mim, é muito oneroso. Gosto de ouvir e estar junto.
• No Brasil, a poesia tem um alcance bastante limitado em termos de público. Ou, como você mesmo já disse, “poesia é uma mercadoria sem valor de mercado”. Como você vê essa questão?
Acredito que é no mundo todo. Poesia não é nada popular. É para poucos. Tem mais gente escrevendo que lendo. Mas é só botar uma melodia por trás e você tem um sucesso.
• Você sempre recusou a poesia grafocêntrica e se associou aos happenings e performances artísticas subversivas dos anos 1960 em diante. Recitar é recriar?
Recitar é o nome escolar de falar um poema. Batatinha quando nasce. Falar um poema é potencializar sua força de expressão/comunicação.
• Você reuniu suas poesias completas em Belvedere (1971-2007) e Tudo (e mais um pouco): poesia reunida (1971-2016). Podemos esperar mais algum livro?
Sempre.
• Você escreveu em seu perfil que “O Facebook é um aleatório, democrático, intenso centro cultural, apesar do zuck, que o explora comercialmente e pensa que pode dizer o que você pode ou não dizer”. O que mudou na (e para a) literatura depois da internet?
As pessoas tomaram mais gosto em ler e escrever. O público de poesia, grosso modo, aumentou bastante. O problema é o excesso que dificulta o senso crítico. Acho legal fazer algumas pausas para meditação diariamente. Para digerir o que se consome na rede, na infovia.
• Em 2016, você adotou o lema “ocupar e resistir”, apoiando as ocupações nas escolas públicas do Rio de Janeiro e do Brasil, particularmente no Colégio Estadual André Maurois. Os alunos reivindicavam melhores condições de ensino e condições justas e adequadas com segurança, equipe de limpeza e com professores (ativos e inativos) com salários em dia. Como a poesia pode ajudar nessa causa? Poesia é resistência?
Sim, de modo amplo. A resistência do ser, atropelado pelo ter, pelo parecer dos dias que correm.
• Atualmente, no Brasil e no exterior, vivemos a ascensão de uma onda reacionária que traz em si matizes racistas, fascistas, misóginos e homofóbicos. Onde estava guardada tanta monstruosidade? Houve um ponto ou marco crucial para a detonação de uma circunstância como esta que vivemos hoje? O que você imagina ou espera como coda do atual estágio da humanidade?
A propriedade é uma coisa muito violenta. Por ela se luta, se mata, se devora. O capitalismo é um sistema autofágico e genocida. A exclusão social gerada pela concentração de renda é uma agressão ao estado de bem-estar social. O neoliberalismo atual, fase terminal do capitalismo, é a caixa de pandora. O último suspiro de uma experiência genética que não deu certo: o homem. Mas é claro, a luta continua até o fim.