Um pouco de muito

Entrevista à revista Rolling Stone é uma ótima oportunidade para um primeiro contato com as ideias de Susan Sontag
Susan Songtag, autora de “A vontade radical”
06/12/2015

Diferente de outros intelectuais públicos da segunda metade do século 20, como Christopher Hitchens com seu ateísmo ou Simone de Beauvoir com o feminismo, Susan Sontag foi um nome que remetia principalmente a ela mesma e não a um conjunto de ideias facilmente delineados por um conceito. Tampouco é fácil encontrar um conceito em que ela se coloque como figura central. Sua obra é tão abrangente na escolha de assuntos (fotografia, doenças, política, etc.) e sua presença nos principais assuntos do momento uma constante tão confiável durante todo o seu período de atividade que acabou por se fortalecer a centralidade da figura autoral, a assinatura às vezes recebendo mais destaque do que o conteúdo do seu trabalho. A própria forma de pensar de Sontag certamente contribuiu para essa proeminência de seu nome, a maneira como se mostra aberta e até mesmo disposta a mudar de ideias; talvez assim encarne na forma de atuação intelectual todo um jeito de ser da época em que primeiramente alcançou notoriedade, os anos 60 e 70.

Isso não necessariamente implica que sua obra seria fraca, e deve servir de comprovação de alguma valia de seus esforços o fato de ainda serem publicados e discutidos já dez anos após sua morte, coisa que não acontece com outros intelectuais que receberam tamanha atenção midiática, passadas tantas décadas de seu primeiro destaque. Se dez anos post-mortem é pouco tempo no mundo acadêmico, no mundo da mídia é uma eternidade, já se adentrando o espaço da nostalgia. Poucos intelectuais recebem uma divulgação tão grande quanto uma entrevista na Rolling Stone, e um número menor ainda teria o material completo, sem cortes, publicado em formato de livro trinta anos depois da conversa.

Conversa
Pois por mais que o protagonismo do encontro seja obviamente de Sontag, o entrevistador Jonathan Cott se mostra muito preparado para manter a conversa em um nível bem além do metódico e burocrático de muitas entrevistas literárias, demonstrando leitura e ponderação demoradas a respeito dos assuntos de interesse da crítica. O prefácio esclarece que seu interesse pelos pensamentos de Sontag é de longa data: Jonathan foi aluno na universidade e na época que ela lecionava, a intimidade com que as questões são abordadas mostra que não se trata apenas de uma pesquisa feita exclusivamente para a conversa, motivada com o intuito específico de formular as perguntas e preencher a matéria.

A diagramação elegante do livro facilita também que o leitor corra com fluência, marcando com diferença sutil as palavras do interlocutor e da interlocutora, sendo possível abrir em qualquer página e saber de imediato quem está falando sem dispositivos visualmente intrometidos, como se estivéssemos no próprio quarto acompanhando a gravação.

Mais interesse aos iniciados
Se por um lado tamanha intimidade e desenvoltura contribui para o desenvolvimento de um tom natural para a conversa, como um amigo ou colega compartilhando reflexões sobre diversos assuntos de fascínio mútuo, por outro faz com que o leitor que pouco ou nada conhece da obra crítica de Sontag se beneficie menos da leitura do livro. Uma publicação como essa tende a chamar a atenção principalmente de pessoas já familiarizadas com a obra principal, talvez de início apenas como uma curiosidade que com o passar das páginas vem a se revelar como dotado de interesse maior do que o previsto, mas a pessoa interessada na facilidade da leitura de uma conversa transcrita como primeiro acesso às ideias variadas de Sontag se beneficiaria mais de um contato direto com qualquer texto dela, uma vez que é na escrita que se vê um desenvolvimento mais detido e detalhado de qualquer colocação sua.

Como primeiro panorama, mais vale um acesso rápido à internet, cheio de material sobre a escritora, ainda mais tendo em vista que nessa iniciativa se tem acesso ao todo de sua obra e não o ponto médio de sua carreira em que ocorreu a entrevista. Nada, afinal, substitui a obra; não se coloca isso como uma crítica a um suposto intuito fracassado do livro, e sim como aviso a quem possa querer um atalho infelizmente indisponível, ou insuficiente. Não há de se colocar o gênero entrevista como substituição rápida do trabalho de absorver as obras, mas, quando bem feito, pode servir de instrumento útil para preenchimento de algumas lacunas ou dúvidas e complementação de detalhes anteriormente pouco explorados.

São poucas e pequenas as questões negativas que o resenhista pode colocar contra o livro: discute-se detalhes a respeito das imagens que foram capa dos livros de Sontag, o significado e os sentidos das escolhas, sem que elas sejam reproduzidas na edição. São encontráveis da internet, claro, mas após uma interrupção da leitura, mesmo que apenas de um minuto com o dedo indicador servindo de marca página temporário. Outro aspecto que chama a atenção também é a ausência de comentário ou indicação sobre o que foi cortado para a edição em revista da conversa; ainda que tenham feito a melhor escolha possível (e de fato improvável que uma revista publicasse mais de cem páginas de conversa); teria sido interessante ouvir a respeito do processo, assim como quaisquer repercussões que a entrevista possa ter provocado na época em que foi publicada.

Susan Sontag – Entrevista completa para a revista Rolling Stone
Jonathan Cott
Trad.: Rogério Bettoni
Autêntica
128 págs.
A vontade radical
Susan Sontag
Trad.: João Roberto Martins Filho
Companhia das Letras
296 págs.
Susan Sontag
Foi uma das intelectuais americanas de maior destaque da segunda metade do século 20, com uma obra ensaística a respeito de variados assuntos: fotografia, o lugar cultural da doença, feminismo, estética, guerras e política, ocasionalmente publicando também livros de ficção. Seu conto Assim vivemos agora é uma das representações mais famosas da epidemia da aids nos anos 80. Recebeu vários prêmios, como o Jerusalém, o National Book Award e o Princesa de Asturias. Faleceu em 2004, aos 71 anos.
Breno Kümmel

É escritor.

Rascunho