Vôo preciso

Resenha do livro "O vôo noturno das galinhas", de Leila Guenther
Leila Guenther, autora de “Partes homólogas”
01/11/2006

Um livro de estréia deve sempre ser visto com bons olhos. A estréia significa que o autor finalmente resolveu colocar a cara na janela, após um bom tempo de escrita solitária, difícil. A estréia, espera-se, deve representar o melhor trabalho já produzido até o momento pelo escritor. E se o primeiro livro já apresentar uma ficção de boa qualidade, fica o desafio para o segundo trabalho, em que o autor terá de se superar.

Este é o caso de O vôo noturno das galinhas, a estréia da catarinense Leila Guenther. São 33 contos curtos, alguns curtíssimos, mas todos eles histórias completas, que falam da vida como ela é, sem grandes invenções ou delírios. Leila procura captar instantes da vida de pessoas comuns e eternizar esses instantes em seus contos.

Os contos podem ser lidos separadamente, é claro, mas é ao final do livro que temos noção da costura que Leila empreendeu para dar uma dimensão maior aos 33 retalhos que compõem esta colcha. O olhar de Leila volta-se sempre para o lado não tão visível da nossa vida cotidiana — aquele em que as emoções são o fio condutor de nossas ações e reações.

Um dos grandes méritos da autora é conseguir já aos 30 anos ter uma visão da vida que nos cerca ampla o suficiente para conseguir captar desejos e temores. Às vezes, Leila parece mergulhar na cabeça de seus personagens e nos conduzir junto nesse mergulho, de modo que sentimos as emoções junto com as personagens do livro. E como as situações criadas podem muito bem ter acontecido com qualquer um de nós, a proximidade da ficção com a vida real gera ainda mais impacto.

O conjunto de contos mostra uma grande preocupação da autora em buscar um estilo que lhe seja próprio, autoral. Não há palavras em excesso. Leila parece ter procurado sempre escrever o menos possível. No entanto, sem deixar nada de lado. A secura do texto não o deixa difícil de engolir, pelo contrário, torna a leitura prazerosa e estimula a entrada no próximo conto. E além dessa preocupação, a autora consegue também deixar de lado quaisquer veleidades em busca de contorcionismos literários. Não há vontade alguma dela de reinventar algo, apenas há a vontade de escrever bem. E ela consegue.

Em alguns momentos, tem-se a impressão de que poderia haver algo mais no conto, de que o texto foi interrompido abruptamente. No entanto, este pode ser um recurso da autora para deixar ao leitor o final em aberto, e joga nas mãos dele a decisão de continuar a história retratada. Para alguns, será sinal de uma falta de capacidade da escritora de fechar um conto. Para outros, será um sinal de cumplicidade. Mas como isso cabe ao leitor decidir, recomendo que O vôo noturno das galinhas lhe faça companhia durante um ou dois dias, tempo mais que suficiente para a leitura atenta do trabalho de Leila. Será agradável, tenho certeza, mesmo que ao final da leitura o sabor que reste em sua boca não lhe apeteça tanto.

O vôo noturno das galinhas
Leila Guenther
Ateliê
104 págs.
Adriano Koehler

É jornalista. Vive em Curitiba (PR).

Rascunho