Fazer resenha de livro bom é fácil. De livro ruim, tão mais fácil que chega a ser divertido. O problema é quando o livro não é bom, nem ruim. É um dilema na hora de resenhar, que até dói o estômago. É o caso em Longe de Ramiro, primeiro romance de Chico Mattoso.
A história de Ramiro, um jovem entediado com a namorada, com os amigos e com a vida, até que promete no começo, quando o protagonista decide viver num hotel, o Royal Soft Residence. A narrativa dá a entender que a trama teria seu foco nos personagens e no dia-a-dia do hotel, por meio do espectador Ramiro, o que seria material intrigante. Mattoso prefere, entretanto, centrar-se em seu protagonista e acaba repetindo o que jovens autores brasileiros têm feito: arrastar a narrativa em cima de personagens com vigor suficiente para um conto, mas anêmicos para uma novela ou um romance.
Tibieza do protagonista à parte, não se pode dizer que Longe de Ramiro é um livro ruim. O texto é muito bom, enxuto, com influências positivas da redação jornalística, correção na escolha dos verbos e economia dos adjetivos. A escolha pela narração que alterna as memórias de Ramiro e sua vida no hotel também é adequada. O texto certinho e a ironia animam o leitor no começo:
Na falta de roupas — vestia camiseta e bermuda quando entrou no hotel, logo transformadas em trapos sem serventia —, Ramiro optou pelo roupão de banho. Além de confortável, a peça mostrou-se eficaz na tarefa de afugentar empatias indesejadas, chegando, certa vez, a provocar a revolta de uma senhora que se declarou incapaz de comer seus aspargos na presença de um “homem em pêlo” no salão de jantar.
Mas faltam originalidade ao personagem e criatividade à trama de Longe de Ramiro, principalmente quando a narrativa sai do hotel. Ramiro cansa o leitor com seus questionamentos em relação à namorada Tati, com quem está apenas há um ano, como se fosse tempo suficiente para que a vida em comum transformasse seus destinos. Também não comove a tristeza de Ramiro por ter um amigo morto, como fosse ele o único no mundo a passar pela experiência da perda:
Ter um amigo morto, muitas vezes, equivale a trazer nos documentos um carimbo especial, desses que atestam algum tipo de distinção ou honraria. As pessoas sofrem, e choram, e se perguntam por quê, e depois de não encontrarem resposta começam, talvez como uma espécie de defesa, a tentar fazer daquilo uma coisa preciosa, transformando o sofrimento numa riqueza particular, tão mesquinha como qualquer outra.
É por parágrafos como o anterior que não se pode dizer que Longe de Ramiro seja um livro bom. A mesma criatividade que coloca Ramiro como morador de um local onde, eventualmente, acontecem convenções como a dos obstetras que invadem o hotel, exagera na filosofia de boteco.
Para fazer um bom romance não adianta ter um bom texto e um protagonista na cabeça. Pelo contrário, a opção por um protagonista único é ainda mais perigosa, pois ele terá que conduzir e conquistar o leitor por toda a obra, tarefa árdua para um personagem raso como Ramiro.
Não é o caso de mencionar nomes, mas Ramiro é o mesmo tipo de protagonista que freqüenta histórias de muitos autores desta geração de Mattoso. São personagens sem estofo, revoltados sem causa que tentam justificar uma crise existencial à brasileira; personagens que sofrem devido à inexistência de motivos para sofrer.
De qualquer forma, Longe de Ramiro e muitos outros livros desta geração servem para levantar uma questão: que tipo de literatura é esta? Para que serve? Por que publicar um livro que não é bom nem ruim, sabendo-se que da edição de 3 mil exemplares, metade será vendida e a outra metade distribuída? Para que resenhar este tipo de literatura?
São livros que podem ser chamados de literatura do autor, um desdobramento da edição do autor, hoje em extinção com a expansão do mercado editorial brasileiro. É uma literatura que serve muito mais para o autor que para o leitor, numa gama de uso que vai da massagem no ego ao incentivo a continuar produzindo, sem que isso necessariamente signifique evolução.
Por que publicar? Esta fica sem resposta, mas obviamente só acontece porque a expansão do mercado permite. E por que resenhar? Ora, para dizer se é bom ou se é ruim, ou para passar logo a dor no estômago.