Em 2002, numa entrevista para o Caderno G, suplemento cultural do jornal paranaense Gazeta do Povo, o escritor recifense Fernando Monteiro discorria sobre a perda de interesse dos leitores contemporâneos pela literatura. Para recuperar essa platéia subestimada e salvar da catástrofe um relacionamento já tão fragilizado, seria necessário, segundo ele, “produzir significação”. Significação — um elemento simples, algo que “bate com o futuro, com o que está em processo”. A fim de defender essa idéia, Fernando Monteiro procurou bons exemplos no século 19. “Os romancistas de folhetim, como Balzac e Dickens, escreviam e as pessoas os acompanhavam”, fez questão de lembrar. “Será que não estava acontecendo ali uma perfeita harmonia entre o que eles escreviam e a sensibilidade de seu tempo? Provavelmente.”
A publicação em capítulos mensais de O inglês do Cemitério dos Ingleses no Rascunho, portanto, é algo que há muito vem sendo engendrado e amadurecido por Monteiro. O livro — que o autor espera concluir à medida que os meses (ou anos) forem se passando — é, felizmente, de classificação complexa. Escrito “à velha maneira” folhetinesca, mas dirigido a um leitor enfim reencontrado. Trata-se de uma aventura? Talvez. Há nela ecos de clássicas narrativas policiais? Há. Mas é pouco definir o novo romance de Fernando dessa forma. Parafraseando Xavier de Maistre, o escritor lança pistas: “É uma busca à volta do ‘quarto’ que inclui Recife, Londres, alguns lugares perdidos do Oriente — Bagdá, inclusive — e alguns dos viajantes pelo Brasil colonial e imperial”. Já no prólogo do trabalho, publicado nesta 63.ª edição, podemos identificar o fantasma da inglesa Maria Graham, pintora e escritora que por aqui perambulou há quase 200 anos.
Para o Rascunho, é uma experiência enriquecedora. “Publicar O inglês do Cemitério dos Ingleses, sob esse formato, pelo resgate de significados que propõe e pela intensidade da escrita de Fernando, tão rica de imagens e conceitos, é um privilégio para qualquer veículo literário do Brasil”, afirma Rogério Pereira, editor do jornal. “Uma iniciativa como essa — que, levando em conta a tiragem de 5 mil exemplares do Rascunho, atingirá no mínimo 10 mil leitores por mês — será produtiva para todos os envolvidos: o autor, o jornal que o publica e, principalmente, seus leitores.”
De resto, é ler a obra que se inicia na página 28, acompanhar de perto a construção de um livro impossível de resumir, pressentir ou adivinhar. Dele, só se sabe o que Monteiro nos adianta: que “viajará em várias direções e sentidos”. Típico de seu autor.