Membro da Academia Brasileira de Letras. Nascido em Maceió, deixou as Alagoas bastante cedo: aos 19 anos, veio para o Rio de Janeiro, onde inicialmente trabalhou na imprensa e consolidou sua carreira de homem de letras. Praticou vários gêneros literários, mas notabilizou-se como poeta. Exímio cultor das formas fixas, destacou-se não só pela vertente lírica, mas pelo cultivo de uma verve mordaz e satírica, que o levou a indispor-se com alguns escritores e confrades. Faleceu na Europa. Estou me referindo a Guimarães Passos.
Membro-fundador da cadeira 26 da ABL, hoje ocupada por Marcos Vilaça. Seu patrono foi o escritor, igualmente lírico, satírico e boêmio, Laurindo Rabelo, cognominado o Poeta Lagartixa. Sucedido por outro entusiasta frequentador da vida noturna, Paulo Barreto, dito João do Rio. Depois, de temperamento mais moderado, vieram Constâncio Alves, Ribeiro Couto, Gilberto Amado e Mauro Mota.
Sua vida atribulada foi objeto de um delicioso livro, Guimarães Passos e sua época boêmia (1953), de Raimundo de Menezes. Anedotas de um Rio belle époque, onde era de bom-tom morrer cedo, e longe do rincão natal, de preferência na França, mesmo que todos consideremos que é melhor estar vivo no Afeganistão do que estar morto em Paris. Guimarães passou para o Além aos 42 anos. Olavo Bilac, mais longevo, faleceu aos 53.
Não é gratuita a menção a Olavo Bilac, a quem o alagoano certa feita denominou “queridíssimo irmão”. Foi intensa a parceria com Bilac, sob cujas asas Guimarães Passos sempre encontrou guarida. Com efeito, quatro livros estamparam a coautoria dos dois escritores.
O primeiro deles, Pimentões, de 1897, com versos humorísticos e maliciosos, anteriormente divulgados no jornal O Filhote, foi publicado sob os pseudônimos Puff (Guimarães) & Puck (Bilac).
A seguir, o Tratado de versificação, de 1901, fortemente inspirado no Tratado de metrificação, de António Feliciano de Castilho, de 1851, livro que consolidou o sistema hoje em vigor na língua portuguesa. Até a primeira metade do século 19, seguíamos o modelo espanhol, que consiste, para finalidade métrica, em adicionar uma unidade à última sílaba tônica. Assim, durante séculos, Os lusíadas foi considerado poema com versos de 11 sílabas, e não de versos decassilábicos.
Outra coautoria registrou-se no Guide des États-Unis du Brésil, de 1904, com a colaboração de Bandeira Júnior. Nunca reeditado ou traduzido em português, trata-se de importante publicação, que, após traçar em linhas gerais a história de nosso país, concentra-se no Rio de Janeiro. Um grande mapa anexo ao livro permite que conheçamos em detalhes a configuração da cidade em pleno transcurso da gestão Pereira Passos (1902-1906), ou seja, o Rio de Machado de Assis e de Aluísio Azevedo. Dentre as informações do Guia, lê-se, no tópico dos feriados nacionais, que eles se resumiam a 10, nenhum deles de caráter religioso. Ao dia 3 de maio era atribuída a chegada de Pedro Álvares Cabral ao nosso território. Sobre a datação do evento, escreveram Guimarães Passos e Bilac [minha tradução]: “O Brasil foi descoberto em 22 de abril de 1500. Fazendo no calendário gregoriano a correção necessária, esta data corresponde a 3 de maio. É nesse dia que se comemora oficialmente a descoberta”. O Brasil de Bilac e Guimarães correspondia, basicamente, ao espaço carioca, ou, como à época se dizia, fluminense. A rigor, o livro poderia chamar-se Guia do Brasil e/ou do Rio de Janeiro. Os registros sobre a então capital federal ocupam mais da metade do volume, acrescidos de um alentado anexo publicitário, com a indicação de centenas de estabelecimentos comerciais, de prestadores de serviço ou de locais de lazer e prazer. Dentre eles, um certo Teatro Follies Brésiliennes, situado à Rua do Catete, prometia aos frequentadores “diversões de toda espécie”.
Mesmo numa obra sem parceria em vida, sucedeu uma aliança póstuma. Referimo-nos ao Dicionário de rimas. Na sua segunda edição, de 1913, lê-se a advertência: “Estando esgotada a edição /…/ de Guimarães Passos [de 1904], confiamos agora ao senhor Olavo Bilac o cuidado de fazer a revisão do trabalho”. É espantoso que, num curto lapso de tempo — dois anos — tenham sido publicadas duas obras sobre tão específico assunto, uma vez que em 1906 Mário de Alencar lançava o seu Dicionário das rimas portuguesas, sem fazer, porém, qualquer menção à obra do confrade da ABL, à qual ele certamente tivera acesso. Cotejamos ao acaso a listagem de três conjuntos de rimas em ambos os dicionários, e constatamos que das 38 palavras repertoriadas por Passos em 1904, 37 reapareceram no livro de Alencar, em 1906. Para evitar a pecha de cópia integral, Mário, nas opções para rimas em “ávida”, cuidou de suprimir o adjetivo “pávida”.
Num assomo de rara franqueza, que decerto não terá agradado ao editor H. Garnier, Mário, na introdução ao livro, assim se expressou: “A ideia desta obra não partiu de mim. Por espontânea resolução, eu não a faria nunca, entre outras razões porque não sinto gosto para esta espécie de trabalho e porque tenho dúvidas sobre a utilidade de um Dicionário de rimas”. Praticou o que hoje denominaríamos de “sincericídio”, termo, aliás, que ainda não consta de nenhum dicionário, e cujas potenciais rimas são capazes de inspirar muitos poemas de natureza mórbida.
Obras individuais
A Academia Brasileira de Letras repôs em circulação a obra de Guimarães Passos, reeditando, em 1997, suas duas únicas coletâneas poéticas individuais: Versos de um simples, de 1891, e Horas mortas, de 1901. O autor nos legou, no total, apenas 147 peças, das quais exatamente uma centena em forma de soneto.
Versos de um simples contou com um alentado prefácio de Luís Murat, de quem o poeta foi muito próximo. Guimarães Passos agiu bem e com prudência ao cultivar essa amizade, pois o prefaciador, independentemente dos dotes propriamente literários, era bastante temido por seus sucessivos rompantes, que não raro descambavam para o confronto físico, sendo Murat, ademais, conhecido como um exímio capoeirista.
Nesse livro de estreia, a epígrafe é de Camões, o que atesta a índole reclassicizante do Parnasianismo. Em dois momentos Olavo Bilac comparece, de modo oblíquo: nos poemas Luta, a ele dedicado, e Nel mezzo del cammin, cujo título se apropria de um verso de Dante, procedimento idêntico ao que Bilac utilizara, três anos atrás, num soneto de suas Poesias. Em Versos de um simples, encontra-se o mais famoso texto de Passos, notório a ponto de incomodamente reduzir o autor à condição de poeta de um poema só, conforme, anos mais tarde, seria o caso de Júlio Salusse com o famigerado Cisnes. Em Guimarães, os versos em voga foram os de Teu lenço:
Esse teu lenço que eu possuo e aperto
De encontro ao peito quando durmo, creio
Que hei de um dia mandar-t’o, pois roubei-o,
E foi meu crime, em breve, descoberto.
Luto, contudo, a procurar quem certo
Possa nisto servir-me de correio;
Tu nem calculas qual o meu receio,
Se, em caminho, te fosse o lenço aberto…
Porém, ó minha vívida quimera!
Fita as bandas que habito, fita e espera,
Que, enfim, verás em trêmulos adejos
Em cada ponta um beija-flor pegando,
Ir o teu lenço pelo espaço voando
Pando, enfunado, côncavo de beijos.
Seu segundo e derradeiro conjunto de poemas, Horas mortas, foi acolhido com elogios e ressalvas pelo crítico e historiador José Veríssimo. No ensaio Alguns livros de 1901, após elencar mais de uma vintena de livros de poesia lançados naquele ano, observou: “A maior parte destes poetas não tem editores, publicam-se a si mesmos, à sua custa e certamente alguns com grande sacrifício. Mostra isso uma das feições de nossa vida literária, e as precárias condições materiais da literatura e do homem de letras aqui […] segundo me observava um dos nossos editores, isto é uma terra em que todo mundo faz versos, mas onde ninguém os compra”. Sobre Guimarães Passos declarou: “Poeta delicado, de emoção ligeira e superficial […] verso natural e espontâneo, poeta despretensioso […] É gracioso, é mesmo belo, de uma beleza especial, não muito alta, mas que começa a ser rara em nossa poesia”.
Para demonstrar o satisfatório nível poético de Passos, Veríssimo transcreveu Guarda e passa:
Figuremos: tu vais. . . É curta a viagem;
Tu vais e, de repente, na tortuosa
Estrada vês, sob árvore frondosa,
Alguém dormindo à beira da passagem;
Alguém, cuja fadiga angustiosa
Cedeu ao sono; em meio da ramagem
Exausto dorme. . . Tinhas tu coragem
De acordá-lo? Responde-me, formosa.
Quem dorme, esquece. . . Pode ser medonho
O pesadelo que entre o horror nos fecha,
Mas sofre menos o que sofre em sonho.
Oh! Tu que turvas o palor da neve,
Tu que as estrelas escureces, deixa
Meu coração dormir… Pisa de leve.
A posteridade pisou tão de leve na poesia de Guimarães Passos, que não conseguiu tirá-la do esquecimento em que ela até hoje… infelizmente permanece adormecida.