Há quase 20 anos, Eduardo Dall’Alba trabalha com ardor em seus poemas. Os primeiros foram publicados na coletânea Escreva-se, de 1987. O autor, que é doutor em Literatura Brasileira, ganhou em 1998 o Prêmio Açorianos com o livro Vinhedo das vontades, lançado em 1997. Na introdução deste Monólogo do carregador, Maria do Carmo Campos utiliza o adjetivo “caudaloso” para descrever o poema O homem do casaco amarelo. Diz ela: “poema caudaloso, de fraseado longo como um fluxo d’água onde lemos tensões diversas, algumas entrecortadas por versos e imagens de Drummond, dos quais Dall’Alba se aproxima com familiaridade”. O livro começa com um poema pequeno Avra estiatório, 12 versos curtos: “Vibra o telefone perto/ vibra corda, o violoncelo/ antes não vibrasse./ Toca a música do rádio/ confusa a voz da TV/ antes não tocasse./ A noite inteira acordado/ a noite inteira sem sono/ antes não tivesse./ Nasci torto, atravessado/ boca presa, que pouco ri/antes, depois, é passado.” Depois deste, o livro começa a ser tomado por poemas de grande fôlego. Construções muito ousadas, empreendimentos literários de rara perfeição. Destaque para três poemas: Prólogo do monólogo do carregador, com 102 versos; o já citado O homem do casaco amarelo, com 241 versos, e o grandioso, para dizer o mínimo, O carregador, com 928 versos! Este último do tamanho de um conto, com 29 páginas. No Prólogo do monólogo do carregador, Dall’Alba enumera os sabores e as dores do “carregador”, que sintetiza a essência do homem que leva consigo toda a sua carga, aonde quer que vá. As imagens vão constituindo um fardo que ao mesmo tempo em que oprime, liberta. Em O homem do casaco amarelo, o autor vai ao extremo do detalhamento com referências pinçadas da memória. Neste momento a poesia se aproxima da crônica, os dois gêneros se fundem. Aliás, é possível dizer que a poesia é a crônica da alma, mas Eduardo Dall’Alba mistura tudo e vai muito além, cria um híbrido com gosto de novo. É uma poesia que deixa transparecer a relação hedonista do escritor com o poema. O carregador é quase um poema épico que conta a história do enterro do avô. É o tema da morte que sempre nos leva a profundas reflexões, minuciosamente tratado nesta grande obra. Todo o ambiente, a atmosfera, as sensações os grandes vazios, tudo está lá, sobretudo, o absoluto: a morte.
“…eu sonho o que se pode no vivido
mesmo que invente o vivido, tento
o que vai além do compreendido
e isso pede ao leitor que se esparrame
se desvie se desleia se compreenda
a mesma dor é sempre a mesma fome
a minha história é sempre antiga lenda
quando subir a escadaria de fogo
na carruagem do velho profeta
eu direi as palavras, até logo,
hoje não posso ser senão poeta.
Meu pai me ensinou a música
minha mãe me ensinou a ler
porque negar o que sei, se é erudita
a forma intrínseca de ser
porque negar que escuto clássicos
mesmo na colônia existem clássicos
porque negar a música em mim?
meu pai tocava violino na orquestra
minha mãe lia os clássicos
(Monólogo do carregador, pág. 93)