Vazios rumo à morte

Resenha do livro "Monólogo do carregador", de Eduardo Dall’Alba
01/02/2005

Há quase 20 anos, Eduardo Dall’Alba trabalha com ardor em seus poemas. Os primeiros foram publicados na coletânea Escreva-se, de 1987. O autor, que é doutor em Literatura Brasileira, ganhou em 1998 o Prêmio Açorianos com o livro Vinhedo das vontades, lançado em 1997. Na introdução deste Monólogo do carregador, Maria do Carmo Campos utiliza o adjetivo “caudaloso” para descrever o poema O homem do casaco amarelo. Diz ela: “poema caudaloso, de fraseado longo como um fluxo d’água onde lemos tensões diversas, algumas entrecortadas por versos e imagens de Drummond, dos quais Dall’Alba se aproxima com familiaridade”. O livro começa com um poema pequeno Avra estiatório, 12 versos curtos: “Vibra o telefone perto/ vibra corda, o violoncelo/ antes não vibrasse./ Toca a música do rádio/ confusa a voz da TV/ antes não tocasse./ A noite inteira acordado/ a noite inteira sem sono/ antes não tivesse./ Nasci torto, atravessado/ boca presa, que pouco ri/antes, depois, é passado.” Depois deste, o livro começa a ser tomado por poemas de grande fôlego. Construções muito ousadas, empreendimentos literários de rara perfeição. Destaque para três poemas: Prólogo do monólogo do carregador, com 102 versos; o já citado O homem do casaco amarelo, com 241 versos, e o grandioso, para dizer o mínimo, O carregador, com 928 versos! Este último do tamanho de um conto, com 29 páginas. No Prólogo do monólogo do carregador, Dall’Alba enumera os sabores e as dores do “carregador”, que sintetiza a essência do homem que leva consigo toda a sua carga, aonde quer que vá. As imagens vão constituindo um fardo que ao mesmo tempo em que oprime, liberta. Em O homem do casaco amarelo, o autor vai ao extremo do detalhamento com referências pinçadas da memória. Neste momento a poesia se aproxima da crônica, os dois gêneros se fundem. Aliás, é possível dizer que a poesia é a crônica da alma, mas Eduardo Dall’Alba mistura tudo e vai muito além, cria um híbrido com gosto de novo. É uma poesia que deixa transparecer a relação hedonista do escritor com o poema. O carregador é quase um poema épico que conta a história do enterro do avô. É o tema da morte que sempre nos leva a profundas reflexões, minuciosamente tratado nesta grande obra. Todo o ambiente, a atmosfera, as sensações os grandes vazios, tudo está lá, sobretudo, o absoluto: a morte.

“…eu sonho o que se pode no vivido
mesmo que invente o vivido, tento
o que vai além do compreendido
e isso pede ao leitor que se esparrame
se desvie se desleia se compreenda
a mesma dor é sempre a mesma fome
a minha história é sempre antiga lenda
quando subir a escadaria de fogo
na carruagem do velho profeta
eu direi as palavras, até logo,
hoje não posso ser senão poeta.
Meu pai me ensinou a música
minha mãe me ensinou a ler
porque negar o que sei, se é erudita
a forma intrínseca de ser
porque negar que escuto clássicos
mesmo na colônia existem clássicos
porque negar a música em mim?
meu pai tocava violino na orquestra
minha mãe lia os clássicos
(Monólogo do carregador, pág. 93)

Monólogo do carregador
Eduardo Dall’Alba
AGE Editora
95 págs.
Rascunho

Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

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