Vale tudo

Resenha do livro "Lula é minha anta", de Diogo Mainardi
Ilustração: Ramon Muniz
01/12/2007

Versão piorada de Paulo Francis, pupilo de Ivan Lessa ou o amigo do Millôr Fernandes. Seja qual for a referência a Diogo Mainardi, um consenso: ninguém sai ileso da sua coluna semanal na Veja. Leitores nutrem relação de amor e ódio com o jornalista. Personalidades que figuram na mídia acumulam processos contra o franco-atirador. Até agora, perdeu apenas uma ação judicial das dezenas que o departamento jurídico da revista enfrenta com certa regularidade. Ou as representações contra Mainardi são muito fracas ou de fato suas acusações e alfinetas têm lá seu valor e lógica.

Desde A tapas e pontapés, seleção de artigos lançada no fim de 2004, Mainardi já deixou explícito qual era seu objetivo: derrubar o presidente petista. No recente Lula é minha anta, reunião de artigos publicados entre março de 2005 e setembro de 2007, o polemista de plantão abusa do cinismo. “Chegaram a atribuir motivos ideológicos à minha campanha contra o presidente. Não é nada disso. Tentei derrubá-lo por esporte. Há quem pesque. Há quem cace. Eu não. Prefiro derrubar Lula. Ele é minha anta. Ele é minha paca. O fato é que atirei tanto, e em tantas direções, que acabei atingindo um monte de alvos”, vocifera em Uma anta na minha mira.

De fato, não foram apenas políticos que passaram pela trincheira de Mainardi. Ao lado dos governantes, os jornalistas são seu principal alvo. Franklin Martins, à época na rede Globo, ganhou do colunista o apelido de súdito fiel do PT. Meses depois, afastado da emissora, recebeu a pasta da Comunicação como presente do presidente Lula. Tiro certeiro de Mainardi. Mas Franklin não foi o único jornalista acusado de ser lulista que, em seguida, ganhou cargo no governo. Tereza Cruvinel, enquanto comentarista política do jornal O Globo, repetia que o mensalão ainda não tinha sido provado e que José Dirceu não deveria ter sido cassado. “Cruvinel aparelhou o jornal da mesma maneira como os lulistas aparelharam os órgãos públicos”. Coincidência ou não, a jornalista hoje está à frente da TV Pública.

Em um dos processos sofridos, a Brasil Telecom apresentou Mainardi como o Marcola do parajornalismo. Ao menos, uma semelhança eles têm: ambos leram Nietzsche (ou falaram que leram). Das inúmeras descrições atribuídas ao oráculo de Ipanema, uma das que mais lhe apetece — talvez, porque o próprio tenha criado — é a de Coiote. Sim, como o do desenho de Chuck Jones. Na versão mainardiana, o Papa-Léguas está mais para lula. “A comicidade do Coiote e do Papa-Léguas não está na variedade das piadas. Pelo contrário: está no repisamento infinito da mesma piada.”

É exatamente este repisamento que Mainardi busca ao longo das 95 crônicas do livro. O presidente está ali, em todos os textos. Não poderia ser diferente. Nos últimos dois anos, não teve um dia sequer em que a impressa não noticiou algo relativo à crise política detonada por Roberto Jefferson, quando assumiu e denunciou o mensalão. Se José Dirceu desperta em Jefferson seus instintos mais primitivos, Lula atiça em Mainardi seus “instintos malignos: conformismo, analfabetismo, parasitismo, venalidade, poltronice, desfaçatez”.

Radicalismos e ideologias políticas à parte, fica uma certeza: ao menos, mais divertida e movimentada está a imprensa brasileira com os textos de Mainardi. Podem ser absurdos (muitos são), conservadores (alguns quase xiitas). Mas temos que admitir: são bem escritos, cheios de ironias e, às vezes, com informações preciosas que detonam investigações. Irritado ou em puro gozo, só resta ao leitor, ao fechar o livro, “bater uma caixa no bar da esquina tomando uma pinga com cambuci”.

Lula é minha anta
Diogo Mainardi
Record
238 págs.
Diogo Mainardi
Nasceu em São Paulo. Mora no Rio de Janeiro. É colunista da Veja desde 1999. Participa do programa Manhattan Connection, no canal GNT. Tem seis livros publicados: os romances Malthus, Arquipélago, Polígono das secas e Contra o Brasil. Além dos volumes de crônicas A tapas e pontapés e Lula é minha anta. Escreveu ainda dois roteiros cinematográficos: 16-0-60 e Mater Dei.
Paula Barcellos
Rascunho