Cubanos em Miami. Brasileiros em Miami. Índios na América Latina. O catador de papel na Vila Torres, em Curitiba. Aquela menina que faz ponto na Praça da Alfândega em Porto Alegre. O idoso embaixo de um viaduto em São Paulo. A idosa na rodoviária de Brasília. O falso folclore? Não. Sujeitos? Não, objetos que às vezes aparecem em fotos, fotos grandes, que ilustram matérias em grandes jornais. Sabe? Manja? Pois é.
Agora, sem panfleto, sem picaretagem, sem querer soar como discurso demagógico que só funciona enquanto discurso demagógico. Mas tem os sujeitos que não figuram na história oficial, não falam a língua oficial, não dominam a dicção oficial e não têm nada a ver com o blablablá oficial.
O escritor galego Carlos Quiroga é, antes de mais nada, um sujeito que reflete sobre esses impasses. Sim. Tanto que o seu mais recente romance, Periferias, é, acima de tudo, uma reflexão a respeito dos sujeitos históricos que são destinados a ser objetos. Aqueles que não têm vez nem voz neste mundo.
A obra foi construída em três situações distintas mas interligadas. 1499 tem como cenário uma viagem do Congo a Lisboa. 1999 tem como cenário uma viagem da Galícia a Lisboa. 2099 tem como cenário uma viagem do Brasil a Lisboa. Os personagens do autor se irmanam pela língua e até pelo sangue — além de não estarem no palco, mas nos bastidores, ou até mesmo fora dos bastidores.
Quiroga coloca no centro de um enredo de ficção aquilo se perde nas estatísticas. Se a existência de personagens periféricos não tem e não deve ter sentido, o romance de 110 páginas se faz na busca de sentido para o que se quer nonsense. O que une um negro em 1499 que dentro de uma caravela precisa elaborar um rude relato com um estudante galego que em 1999 faz o caminho de Santiago de Compostela sobre duas rodas e uma outra estudante brasileira que em 2099 sai do Brasil dentro de um avião em busca sabe-se lá do quê? Os três personagens têm como destino Lisboa. Os três personagens estão em movimento. Um numa caravela. Outro numa moto. Outra num avião. Os três personagens são peças minúsculas na engrenagem da roda da História.
E, nos derradeiros momentos da narrativa, tudo se costura. A estudante inserida num futuro improvável vislumbra o que podem vir a ser as suas raízes e se dá conta de que aquele outro estudante, o do segundo capítulo, é seu ancestral (o da caravela também pode ser) e, em meio à sofisticada tecnologia, o inexplicável se explica:
Esse pai que conheci melhor depois de morto. Ele achou e reconstruiu também uma história similar, de alguém que tinha feito uma viagem parecida, um dos primeiros africanos cuja vida mudou, e mudou completamente, por ter ido a Lisboa alguns séculos antes. Meu pai juntou essa história no CD. Agora é a minha vez de juntar. Os três estados gerais do mundo num, Obras Corporais, Escrituras, Contemplação Pura. E mandar para vocês, que não sei o que esperam realmente de mim. O caso é que junto. E a família começa a se reunir.