Uma das coisas que mais chamam a atenção na coleção de poesia a preguiça editorial, recentemente lançada pela editora Hedra, é a diversidade das três vozes que a inauguram, diversidade que nem por isso peca por falta de coesão ou outros motivos, bem menos nobres. Alexandre Barbosa de Souza já vem trilhando um caminho bastante pessoal há alguns anos, com edições de pequena tiragem, quase sempre fora dos holofotes e das tertúlias literárias, tantas vezes soníferas. Seu último trabalho tinha sido Viagem a Cuba, itinerário poético de viagem à ilha caribenha, editado pela mesma casa. Nele se destacam algumas das preocupações do autor sobre a questão política e a experiência histórica de um determinado povo, sempre filtradas por uma poesia que consegue atingir um ponto de equilíbrio entre o coloquial e o registro lírico, tantas vezes inexistente na poesia brasileira, tantas vezes atrelada a fôrmas, fórmulas e cacoetes modernistas. Não há, porém, nada de partidário ou politizado nos seus versos. O que lhe interessa são as pessoas, não estruturas e abstrações. Agora, em Azul escuro, Alexandre aprofunda sua viagem e já vê novos horizontes se descortinando: já prepara um novo livro na Holanda, onde está morando, tematizando a cidade de Amsterdã, do qual o Rascunho publica nesta edição dois poemas inéditos. O título dos poemas é o símbolo da cidade: XXX.
Fabrício Corsaletti já tinha chamado a atenção de críticos como Alcides Villaça com seu livro de estréia, Movediço. Sua poética consegue congregar uma força muitas vezes brutal (algo que também anda em escassez no mercado poético) com um atestado poético em primeira pessoa de forte carga emocional — outro aspecto rico, que encontramos em toda boa tradução lírica, e que, no entanto, torna-se cada vez mais raro, talvez por conta daquilo que Affonso Romano de Sant’Anna definiu bem como lirismo recalcado: transfiro a emoção poética para a tradução e estudo de obras do passado e, quanto à minha própria voz, cultivo a aspiração de que ela seja vazia. Rigorosa, na acepção clínica. Talvez porque os poetas, à custa de conferir autoridade à vacuidade institucional de sua prática, prefiram falar de semiótica e de Escola de Frankfurt, e encher a orelha de seus livros de penduricalhos e cartas de críticos famosos (será que os interlocutores são sempre consultados?), coisa que, diga-se de passagem, não há em nenhum dos livros da Preguiça. Quanto a Fabrício, seu novo trabalho, O sobrevivente, sinaliza um amadurecimento dessa poética e a abertura para poemas mais longos, divididos em partes, como o belo Balada.
Já Dirceu Villa é provavelmente o mais desconhecido de todos para o grande público. Lançou apenas um livro de poemas pela Série Badaró, cujo título excêntrico é MCMXCVIII. Isso mesmo: 1998. A Badaró foi um selo que reuniu poetas e prosadores de São Paulo, publicando obras inéditas em pequenas tiragens, mas sempre envolvidas em calorosas discussões. Dono de uma poesia histriônica, na linha da grande tradição moderna, seu trabalho abre-se para uma série de interpretações, ao mesmo tempo em que as invalida, pela ação de um ingrediente decisivo de sua própria modernidade: a ironia. Além de poeta, Dirceu é tradutor de Ovídio e Ezra Pound, de quem herdou o espírito preceptista de dedo em riste e o cavanhaque. Tem extenso volume de material inédito nos campos da prosa de ficção, crítica, ensaio, teatro e artes plásticas. Em sua poesia, muitas vezes ele se assemelha a um bufão superinstruído, outras tantas ridiculariza o mundo em que vive. As cargas de leitura são atualizadas em poemas escritos em várias línguas e a nas citações, que têm sempre um objetivo estrutural ou paródico: muito mais do que se pretenderem o distintivo de um xerife que quer mostrar ao mundo o seu valor pela força, funcionam sim como um instrumento de erosão de valores. É como se nos dissesse: vejam essa Babel que nos cerca. Eu a detesto. E, no entanto, como me diverte emprestar minha voz para cantar a sua ruína. Em seguida, um bate-papo com os três. Sirvam-se.
Rodrigo Petronio — Descort é um gênero de poesia medieval cuja essência é o insulto. Em Movediço e O sobrevivente, flagramos, a partir dos títulos, uma visão da instabilidade de uma vida à deriva. Em um livro anterior de Alexandre Barbosa de Souza, Viagem a Cuba, temos o atestado lírico de uma viagem do autor. Em vocês três, noto uma preocupação poética com a situação histórica concreta, uma abordagem bastante pessoal da política. Como vocês vêem a poesia em relação à realidade imediata em que vivem?
Dirceu Villa — Descort é mais propriamente discórdia lingüística, sensorial e de época. Se não estivéssemos pensando nos velhos provençais, haveria até algum aspecto moral na coisa — como se lê no magnífico descort de Martim Moya, o aragonês, por exemplo. Mas a parte moral costuma ser enfadonha, então eu não tinha porque me preocupar com isso. Suponho que assim já respondo em parte ao que eu penso da realidade imediata. Por outro lado, realidade imediata não tem como ser um todo coeso, ninguém hoje pensa numa cartografia do mundo real, pelo puro absurdo da proposição, nem estamos mais no mundo que se apresentava como um punhado de farelos. Ao mesmo tempo em que a aparência é de extrema fragmentação, nós percebemos — ao menos eu percebo — que tudo está ligado de certa forma. Moacir Amâncio escreveu que o humor era a nota fundamental do meu livro; estou realmente inclinado a concordar com ele. Mas se esse humor existe, digamos, se as pessoas podem rir (e eu espero que sim), é inevitável pensar nesses alvos do ridículo, quer dizer, eu não teria escrito ou organizado um livro assim se ele não se prestasse a fazer as pessoas pensar. A política, por exemplo, funciona como um espelho de circo para seu povo num determinado ponto de sua história. É um assunto infinitamente rude, desagradável, deselegante. A política mundial não é conduzida pelas pessoas, mas pelas inventadas necessidades de grupos cujo interesse é dinheiro e poder, não importa a que custo. Bom, isso gera formidáveis mentiras hitlerianas que os meios de comunicação dispersam como fogo em palha, porque o crivo de juízo desses meios costuma ser a completa demência, ou seu oposto simétrico, a correção política. É um mundo trágico, fatalmente ridículo, belo também, de um jeito muito prazeroso, perverso. Talvez esse seja o ponto do meu livro, ou o que eu acho que seja. Já a relação da poesia com a realidade é desigual. Como arte, não tem demonstrado desenvoltura suficiente para lidar com o mundo super-artificial e megalomaníaco que exige a extrema ousadia do poeta, uma figura hoje meio bisonha. Suponho que o que eu faço é acabar com isso e propor um equivalente em linguagem à elasticidade incoerente do mundo. Eu evidentemente não estou pregando que os poetas virem uns tagarelas irracionais: sugiro apenas que aceitem o desafio de encarar Proteus e se transformar nele. A arte é interpretativa, cambiante, precisa ter um lado crítico e outro de aderência. Ninguém deveria sentir o comichão inútil de estender esse aparente paradoxo numa linha reta. O espírito de época é dedicado a cortejar a inocência singular que pensa que deve.
Alexandre Barbosa de Souza — Para mim, a poesia é tão natural quanto respirar. Apesar de fumar muito e viver em São Paulo, anoto quase todos os dias alguma observação, um exercício formal, um pedaço de conversa, uma passagem de leitura ou registro uma impressão. Isso é o mais imediato. Quanto à situação histórica concreta, a verdadeira poesia, creio, é a própria situação histórica concreta; mas isso é muito difícil de atingir, devido à nossa falsa consciência da realidade e à falta de apuro dos meios de expressá-la. No livro Viagem a Cuba, creio tratar-se muito mais de um encantamento de viajante a partir de um tema carregadíssimo, como a revolução socialista e a experiência do povo cubano, do que uma preocupação poética ou política. Mas, de todo modo, reconheço a abordagem pessoal da política a que você se refere e a atribuo à influência de Murilo Mendes e sua espécie de catolicismo. Recentemente, escrevi alguns poemas aqui em Amsterdã, em um livrinho de anotações e pensei em fazer um presente para alguns amigos que me escreveram do Brasil; quero dizer, apesar de tudo, principalmente das minhas limitações, sempre escrevo sobre o que vejo e alguma coisa disso às vezes pode interessar a algum leitor de poesia.
Fabrício Corsaletti — Para mim, a poesia está completamente ligada à realidade. Claro que aí entra o problema do que é a realidade. Mas é melhor a gente não entrar nessa discussão, não é… Acho que a poesia para mim é o próprio real, a verdade… A minha verdade num determinado momento. Sem essa idéia de que estou escrevendo algo verdadeiro não sei escrever. Sem esse sentimento de que a poesia está falando de algo real, verdadeiro – ela não me interessa.
Rodrigo Petronio — Falem um pouco da revista Ácaro, Alexandre e Fabrício como editores, e Dirceu, como leitor. Ela se destaca pela diversidade e o humor, coisa praticamente extinta no meio intelectual sisudo. Isso é algo consciente? Essa visão que vocês tem da realidade e da arte de certo modo contribui para o perfil da revista? Há muitas panelas na poesia brasileira?
Alexandre Barbosa de Souza — A Ácaro já estava quase pronta quando o Fabrício, o Chico Mattoso e o Paulo Werneck me chamaram. Só faltava a parte de poesia. O Fabrício tinha gostado do meu livrinho de Cuba e tal, e os caras sabiam de mim da época do Azougue e porque eu era editor-assistente na 34. Bem, a gente publica o que a gente gosta e só se houver unanimidade. Por exemplo, para o número dois, recebemos poemas de autores bem mais conhecidos, mas resolvemos publicar um poema do João Inácio, que nunca publicou um poema. Acho que o humor é natural porque quase todo mundo da revista trabalha, de alguma forma, no mercado editorial e isso faz, feliz ou infelizmente, com que você perca muitas ilusões com a literatura. Quero dizer, você acaba sabendo como se joga nesse campo; um pouco de crítica de tom universitário, um pouco de mídia, essas coisas. Enfim, isso dá um cansaço tão grande que a gente optou: entre a autoridade do seu gosto e a minha, eu fico com a minha! De fato, a perda dos parâmetros na literatura brasileira hoje em dia é escandalosa. Do mesmo modo como a adesão estrita aos parâmetros de uma certa tradição contemporânea, que também é um horror. Em suma, eu ainda gosto de poemas bonitos; sei que isso pega bastante mal para certos editores de poesia, mas o que vamos fazer? Tenho mais de mil livros de poesia em casa, sei que isso é possível e não me convenço do contrário.
Fabrício Corsaletti — Olha, concordo com quase tudo o que o Alexandre disse, com uma ou outra divergência. Mas o que não concordo de jeito nenhum é que trabalhar no mercado editorial faça você perder as ilusões com a literatura. Talvez eu esteja dizendo isso porque não trabalho no mercado editorial, só fiz um frila aqui e outro ali. Mas acho que mercado é mercado, é outra coisa. Não tem a ver realmente com o que um poeta, um escritor fazem, ou deveriam fazer. Acho que o mais importante é fazer a literatura, por paixão, por necessidade, sei lá. O resto é secundário, se você for mesmo fiel ao que faz, se isso for mesmo importante pra você. Não que não haja o desejo de publicar, de vender, de que os bons livros sejam vendidos (se é que o que você faz é bom, porque também não dá pra saber). Há tudo isso, sim. Mas não é o que importa, em última análise.
Dirceu Villa — Conheço só o número 1, que me pareceu bastante saudável justamente porque não tem afetação acadêmica nenhuma. Sou suspeito para falar da Ácaro por uma coisa: o formato e a capa são no estilo do velho LP de vinil e, como os editores tiveram a gentileza de pôr o meu nome lá (contribuí com dois modestos textos), me veio a indizível sensação de estar na capa de um LP, mesmo que não como músico. Por esse motivo, sou eternamente grato a eles. As assim chamadas panelas revelam sempre provincianismo, mas sejamos compreensivos: o nicho de poesia é tão exíguo no Brasil que as pessoas acham que é necessária uma queda de braço. Também fica mais simples se apoiar nos parecidos para ir contra os estranhos, ainda mais para o tipo de poeta soi-disant. Há também uma cultura (será que não abuso da palavra?) de exclusivismo, ou monocultura, no país, porque não sabemos lidar com meia-dúzia de coisas diferentes: é, oh, tudo tão complexo, perturbador. Além do fato de as pessoas não ligarem para encrencas entre poetas, as panelas funcionam como um tiro no próprio pé: ficam todos umas figuras amargosas. Daí, por que ler a obra de alguém que parece ter um nervo exposto? Ou, por que se meter nesse fogo cruzado? Trata-se de um resquício patológico do coronelismo, misturado com o vício de competição da iniciativa privada — porque nesse caso vira-se uma empresa da palavra, que precisa aniquilar a concorrência. Para mim os bastidores da sublime arte da poesia costumam ser uma mescla de intriga política e mercado empresarial. Lembra daquele episódio magnífico após a morte do João Cabral de Melo Neto? “Quem assume o posto de grande poeta nacional agora?”, perguntavam. Ora, façam suas apostas. Ah, que belas tardes no Jóquei Clube!
Rodrigo Petronio — Azul escuro tem uma belíssima epígrafe, de um dos meus poetas favoritos: Antonio Machado. Diz que em sua solidão viu coisas muito claras — que não são verdade. O poema de abertura de O sobrevivente diz textualmente: a única maneira de representar a dor de um osso é arrancando-o e batendo-o sobre a folha em branco. Dirceu tem um trabalho como desenhista. Vejo em sua poesia duas coisas presentes na linguagem das HQs: metamorfoses e registro fantástico. Solidão, claridade, falsidade, a arte como ilusão, registro maravilhoso contra uma diluição do realismo, brutalismo contra um tipo de arte asséptica, metamorfoses. Comentem um pouco esses traços.
Fabrício Corsaletti — Acho que o poema O osso da perna fala tanto do que eu fiz no Movediço quanto do que eu faria depois, em O sobrevivente. Ele foi escrito uns meses depois que terminei de escrever o Movediço (agosto de 2000 — mas só publiquei um ano depois). E o que é que fiz ou gostaria de ter feito? Uma poesia sem nada que não fosse o essencial, sem nada que não fosse o recorte exato de uma experiência. Pelo menos é como eu vejo o que fiz, mas posso estar enganado. Também queria (e quero) que cada poema meu fosse o poema final, como se eu escrevesse sempre o último poema. Acho que O osso da perna funciona um pouco como minha norma de conduta poética e por isso eu o coloquei no início do livro.
Alexandre Barbosa de Souza — O Antonio Machado é um mestre pouco conhecido no Brasil, apesar de sua importância para a poesia moderna; a mesma coisa, para mim, acontece com o Blas de Otero, meu mestre absoluto, quase ninguém lê no Brasil, digo mesmo entre poetas. O fato é que essa lírica de negação é bastante forte na poesia em espanhol e, desde o Lorca, que creio ser a origem provável dos meus poemas, assim como a poesia chinesa e japonesa, que eu leio em francês ou em outras traduções, infelizmente. Creio que isso e o lirismo de autores populares de cordel, Carlos Pena Filho e Murilo Mendes são a minha linha imaginária de formação. Não sei se ela é visível, além de existirem muitos outros poetas de minha devoção, como Francis Jammes, Éluard, Nazim Hikmet (turco), Atila Joszef (húngaro), e, claro, as traduções de Rilke, Tagore, Pasternak, Akhmatova, Blok etc. Para mim, é claro, mas não sei se sem ter lido esses poetas eu escreveria como escrevo os meus poemas.
Dirceu Villa — Eu acho que assepsia é algo associado a hospital, ou a lugares que manufaturam comida. Realismo eu não sei, porque muito do que chamam assim é sensacionalismo, demagogia ou pessimismo, também muito difíceis de explicar. Por exemplo, você pode chamar uma moeda falsa de real. Então eu apóio tanto o brutalismo quanto a arte como ilusão e o registro maravilhoso, sempre encontráveis na melhor arte, e é realmente muito agradável que você tenha encontrado isso nos nossos livros. Jean Cocteau chamava a poesia de mon amour e, ao mesmo tempo, de jeu d’échecs (jogo de xadrez). Veja que homem esperto. Sobre as HQs: eu certamente adoro quadrinhos — encantado por você mencionar o assunto —, mas acredito que as duas características citadas estejam também em Ovídio e Ariosto, por exemplo. As HQs têm uma relação mais estreita com o cinema, porque o aspecto narrativo de quadro a quadro funciona mais ou menos da mesma forma nos dois tipos de roteiro, e isso já está no livro clássico de Will Eisner, Quadrinhos: A arte seqüencial. Você pode comparar, por exemplo, o Ronin, de Frank Miller, com o Matrix, dos irmãos Wachowski. Considerar o storyboard, ou a influência da, digamos, “câmara mental” de Miller nas tomadas de ação do filme. Trazer algo típico dos quadrinhos para a poesia me parece muito complicado, são meios muito distintos.
Rodrigo Petronio — Agora vou jogá-los na fogueira: teçam alguns comentários uns sobre a poesia dos outros.
Fabrício Corsaletti — Do Alexandre, gosto muito do Viagem a Cuba. Foi por causa desse livro que nós nos conhecemos e fazemos juntos a Ácaro e a Preguiça. Do Azul escuro, gosto mais dos poemas da metade para a frente, que são os poemas mais recentes do Alexandre. Os meus preferidos são À noite sobre os telhados, Dois poemas lendo Laozi, Outro dia sonhei com uma caixa, Lendo Supervielle, Desejei a sombra de um navio, Em uma exposição de fotos de Sit Kong Sang e o final do Amanhã saberei a doce umidade da fruta. O final desse poema tem os seguintes versos: “Mas não poderei me esquecer/ Jamais// Das pérolas de sal,/ Das âncoras soltas por dentro,/ De quando o sol não era mais que um sino prisioneiro,/ De quando não havia caminho algum/ Sob as nuvens da noite”. Foram esses versos que me impressionaram na poesia do Alexandre, além do Viagem a Cuba, e aí nós ficamos amigos. Já do Dirceu, os meus preferidos são Oceano, Suburbana, O uso das cores, Impossibilia?, Quase isso, E mais uma arte poética, O amor aos vinte anos e Visões. Esses são os de que mais gosto, do que me lembro. Mas nenhum deles chega aos pés de Paisagem triste. Acho esse poema muito bonito, perfeito mesmo. Agora, tem uma coisa na poesia do Dirceu de que não gosto. É o excesso de citações. Tenho resistência a citações, nunca gostei disso e tenho dificuldade em aceitar essa característica do Descort. Mas se eu e o Alexandre chamamos o Dirceu para publicar na Preguiça, é porque acreditamos no livro dele. Acho que é um livro com muita força e o Dirceu é muito livre e faz o que bem entende nos poemas dele.
Dirceu Villa — A Preguiça começou com esses três poetas que sem dúvida se apreciam e são uns preguiçosos. São muito diferentes também, como deverá ficar claro pelos poemas que vão com a entrevista. O Fabrício Corsaletti tem uma poesia muito física, rápida, perfeita. Seus bons amigos são Hemingway e Apollinaire, Neruda, Ferreira Gullar. É uma poesia da experiência e de exuberância: basta ler qualquer um de seus dois livros. O Alexandre Barbosa tem uma poesia bastante trabalhada, bastante latino-americana, se dá para entender isso como tradição. Já disseram que tem uns toques de Simbolismo, o que também é verdadeiro (principalmente neste Azul escuro), mas pobre para defini-lo; poderíamos ver um amor pela poesia de Lorca e pelos belos poemas da tradição latina, um amor pela concisão, pelas coisas e pelas cores. São livros que aprecio por essas qualidades singulares e pelo artesanato que demandaram. Porque o artesanato é uma coisa que se lê também, não é?
Alexandre Barbosa de Souza — Gosto muito da verdade apaixonada dos poemas do Fabrício, e olha que eu sou muito amigo dele. Ele é um poeta de verdade, quero dizer, não só nos meios intelectuais. Você lê um poema dele para uma pessoa na rua e ela se emociona. Isso para mim já é o bastante. Sobre o senhor Villa, acho que bastaria dizer, que como editor da Preguiça Editorial eu não escolheria se não gostasse dos seus poemas. Acho de uma poesia sensível, no sentido que o Paulo Mendes Campos achava o Stan Laurel sensível, sensual: se tem um esguicho no caminho ele pega e sai molhando o povo, se está tocando música ele sai dançando. Não acho nada intelectual. O senhor Villa é um bom leitor, mas um leitor sensual, o que acho mais sério.