Uma obra em andamento

Rascunho pareceu no começo um nome estranho. Meio tosco. Um ano depois, nada parece mais apropriado.
01/04/2001

Rascunho pareceu no começo um nome estranho. Meio tosco. Um ano depois, nada parece mais apropriado.

Trata-se de uma publicação feita mais ao modo de quem abre uma picada no meio do mato que à maneira de quem pavimenta uma estrada. Quando uma edição é encerrada, não se sabe como será a seguinte até pouco antes de a terminarmos.

Depois de algum tempo, percebemos que a nossa linha editorial era um fio tênue, quase transparente, de modo que pudéssemos nos perder de vez em quando. Mas indelével, para que pudéssemos voltar e encontrar ali, onde sempre fizemos questão de o manter, nosso compromisso com a literatura. De um modo parecido, o projeto gráfico do jornal passou a ser a não existência de projeto gráfico. Com o passar do tempo a imagem do Rascunho se modificava.

Um pouco disso é causado pela maneira como ele é feito e por quem. Os colaboradores não recebem por seus textos em Rascunho. Naturalmente, têm outras ocupações, das quais tiram o que comer, enquanto não se inventa literatura que encha o estômago. Por conta disso, várias resenhas chegam em cima da hora. Vovô Anselmo, esse septuagenário dedicado, por exemplo, só manda seus textos poucas horas antes do fechamento. E sem revisar.

Os ilustradores, às vezes fazem seu trabalho às cegas, sem ler aquilo que ilustrarão. De posse de uma palavra, de um suspiro, um nome de escritor, descortinam um universo. Foi o caso de André Ducci, Karen Tortato e Guilherme Caldas que, no laço, se juntaram à nossa equipe nesta edição. Por essas é que nenhuma das edições anteriores a esta, e esta também, foi fechada com mais de uma hora antes do prazo limite. Tudo isso dá ao Rascunho, pelo menos para nós que mensalmente o fazemos, uma impressão de ser uma obra eternamente em andamento. Talvez nesse caminho, entre fixar a vista ao objetivo da viagem ou à paisagem, tenhamos escolhido a paisagem e isso nos dá a aparência daqueles que andam no escuro. Afinal, alguém sabe dizer, com clareza, para onde vai a literatura?

Talvez por ela ser seu objeto de estudo, Rascunho tenha essa aparência mutante. Afinal, assim, são os livros, que mudam a cada leitura, pois, a cada ano, muda o leitor. Assim, são as pessoas, que a cada ano envelhecem e se renovam. Rascunhos que querem se aproximar cada vez mais de algo que não se sabe o nome.

Ninguém é perfeito. Mas, quem sabe, um dia seremos.

Rascunho

Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

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