Uma nação chamada pampa

Em sua estréia literária, Luiz Horácio sabe como cativar o leitor e como manter o ritmo ao longo do livro
Luiz Horácio, autor de “Pássaros grandes não cantam”
01/01/2007

Há um universo paralelo no Brasil. Ele está ao sul, e não se limita a um único estado, mas sim a uma região vasta que abrange três países. E mesmo que estes países tenham pegado uma parte desta região para si, ela permanece única. O pampa gaúcho é diferente de tudo o que conhecemos, único, especial. É no pampa que o escritor gaúcho Luiz Horácio ambienta o seu romance de estréia, Perciliana e o pássaro com alma de cão.

O livro é um épico que conta a saga da família Souto, que vive em um lugar não revelado do interior do Rio Grande do Sul, na fronteira com o Uruguai. Ao longo das 280 páginas, vemos contada a história de quatro gerações da família Souto, desde o seu patriarca, Hildebrando, até os seus bisnetos. O personagem principal poderia ser Santiago, o filho mais velho de Hildebrando e com a personalidade mais marcante de todos. No entanto, o papel principal fica com Perciliana, negra criada dos Souto, que é a memória viva da estância da família. É por meio dela, de suas memórias e relatos, que um escritor carioca anônimo escreve a saga dos Souto. Ele toma conhecimento dos fatos quando Perciliana vai morar no Rio por uns tempos.

Os Souto se destacam pelo seu caráter. Mesmo o irmão mais frouxo de todos mostrará em um determinado momento que também pode mudar, que tudo é possível. As personagens criadas por Luiz Horácio poderiam até ser caricatas, mas como foram colocadas no pampa, um lugar onde temos a impressão de que a honra e a palavra ainda contam, elas são verossímeis. Assim, vemos os Souto como cultuadores da liberdade, contra qualquer forma de opressão, inclusive a religiosa, como pessoas justas e honestas e para quem amar e sofrer são coisas da vida. Nos Souto corre sangue cigano, e boa parte de seu caráter será explicada por esse fato, pela ascendência de pessoas que se dedicam a correr o mundo.

O livro começa com uma descrição da sede da estância, para logo em seguida iniciar a introdução aos personagens. É necessário um pouco de fôlego e muita atenção, pois nas primeiras 50 páginas somos apresentados a uma miríade de personagens que pode facilmente confundir o leitor posteriormente. Resolvido o problema, temos uma trama envolvente. Uma característica que pode dificultar a leitura é o fato de ser uma história muito longa no tempo resolvida em poucas páginas, dada a grandiosidade da história dos Souto, que com certeza têm história para preencher com qualidade muito mais páginas.

Outra característica que deixa um gosto estranho na boca é o final um tanto quanto arrastado. Se ao longo do romance, as histórias acontecem em um ritmo vertiginoso, logo depois que Perciliana se despede dos Souto, o ritmo se reduz. Parece-nos que o escritor tenta fechar todas as pontas soltas da história para então concluir o livro. E o faz de uma maneira um pouco apressada. Não é algo que afete a trama, mas nos deixa a impressão de que não foi encontrada a melhor maneira de concluir a saga.

Apesar destes pequenos incômodos, é um bom livro, que vale a pena ser lido e que prende a atenção facilmente. O leitor terá a vontade de seguir rapidamente até o final para saber quem era quem na história, para saber por que determinados personagens morreram, por quem, para quê. Luiz Horácio sabe como cativar o leitor e como manter o ritmo ao longo do livro. De curioso, Perciliana traz a participação especial de Fausto Wolff, seja prefaciando o seu conterrâneo, seja como personagem da saga dos Souto, a quem o escritor dedica uma visita. Siga os conselhos de Wolff no prefácio, e boa leitura.

Perciliana e o pássaro com alma de cão
Luiz Horácio
Conex
280 págs.
Luiz Horácio
Nasceu, em Quarai (RS), em 1957. Atualmente, mora no Rio de Janeiro. É autor e diretor de teatro. Perciliana e o pássaro com alma de cão é a sua estréia na literatura.
Adriano Koehler

É jornalista. Vive em Curitiba (PR).

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