Um único discurso do início ao fim

Resenha do livro "Novos monstros", de Newton Cannito
Newton Cannito, autor de “Novos monstros”
01/03/2011

Resenhar sem criticar é omitir o crítico que há no leitor. Resenho criticando, pois leio criticando. Não se trata de opção pela crítica, mas de reação ao estímulo provocado pelo texto. Reação num primeiro momento. Num segundo momento transforma-se em ação consciente e inevitável.

Um texto me enfastia quando sua linguagem é reprodução fácil de outras linguagens, quando não me sensibiliza ou me desperta o intelecto, quando não se trata de um olhar particular, com algo de inusitado, quando não tem um elemento sequer que o vitaliza.

Infelizmente, isso acontece com muita freqüência quando se trata de literatura atual. Não basta ter um bom domínio da língua escrita e fluência verbal para se escrever um livro e publicá-lo. É preciso criar.

Criar não é um jogo de palavras que o autor faz para se mostrar, para se fazer escritor.

Mas, o que é criar?

Cada um que se pergunte e busque a resposta que certamente não será objetiva nem explícita, mas integrará o objeto criado e seduzirá o leitor.

Não percebo nada disso em Novos monstros — Histórias do mundo real, de Newton Cannito. Aliás, a meu ver, não se trata propriamente de um livro de histórias, mas de textos extraídos do senso comum, das “falas” cotidianas sobre problemas estruturais do Brasil, entre os quais, violência, corrupção, preconceito.

Usando narrativas em primeira pessoa, o autor discorre sobre os referidos problemas em tom, ao mesmo tempo, intimista, didático e panfletário. Ele não oferece novidades de conteúdo ou estéticas que justifiquem a leitura. Percebe-se uma intenção de ironia que não se concretiza, justamente porque o texto é muito descritivo e explicativo.

Ao citar personagens reais, programas televisivos, o autor intenciona criticar políticos corruptos, gente comum corrupta, o próprio sistema da corrupção. Ao criticar o fato de a mídia tratar dessas questões com sensacionalismo, o autor, usando dos mesmos recursos que critica, ou seja, o tom sensacionalista, reproduz o que nega com tanta veemência.

A seguinte passagem do texto O doutor não merecia, ilustra um pouco isso:

Foi assim que ele virou estrela da política, ator de dramas reais. Já no começo da televisão o doutor estava lá, um precursor dos star systems instantâneos criados pelo Big Brother. Na sua vida não teve Oscar nem Troféu Imprensa. Mas merecia. Ele sempre ocupou o horário nobre, foi personalidade constante da novela que está há quarenta anos em cartaz, aquela que passa entre a das 7 e a das 9, aquela que o Willian Bonner aparece sempre narrando.

Os contos de Novos monstros estão mais para crônicas pelo forte tom jornalístico e pelo intuito de ironizar. O excesso de clichês cansa o leitor já tão familiarizado com os temas e as formas de abordá-los.

A seguinte passagem do conto O segredo ou como pensar positivo após um acidente aéreo, ilustra bem o que afirmo:

Assim como eu, muitas pessoas tiveram pensamentos negativos nessa hora. É compreensível. É tudo culpa da televisão, que explora a tragédia de forma sensacionalista, mostrando corpos, mães choronas, coisas horríveis. Aí nós ficamos meio tristonhos, melodramáticos. E quem é melodramático só chora e não age. A televisão faz isso de propósito, para alienar o cidadão.

Afinal, é mídia de massa, e o objetivo dela é fazer com que o cidadão pobre pense coisas negativas o tempo todo. Assim se garante que ele continue um perdedor, que fica vendo gostosas na tevê em vez de comê-las. É para manter o povão passivo que a televisão explora a tragédia de forma melodramática.

Escracho e didatismo, neste caso, não combinam e geram textos que são individualizados apenas pelos títulos e pela separação física dentro do livro, mas que não passam de um único discurso, do início ao fim. Mudam os figurantes, permanece o narrador com o mesmo tom, a mesma postura diante do mundo, a mesma palavra ecoada e vazia, fato corriqueiro na literatura brasileira atual.

Novos monstros
Newton Cannito
Geração Editorial
192 págs.
Cida Sepulveda

É escritora e professora. Autora de Coração marginal, entre outros.

Rascunho