O único problema do personagem Will Freeman era preencher as unidades de tempo de seus dias. Aos 36 anos, não precisava trabalhar e ganhava mais de quarenta mil libras por ano provenientes dos direitos autorais da canção Santa’s Super Sleigh, composta por seu pai em 1938. Assim, usava roupas bacanas, escutava sons descolados, comprava bugigangas e assistia a seriados de televisão durante às tardes. À noite, consumia álcool e drogas em bares e também encontrava mulheres para transar sem compromisso. Ao conhecer uma mãe solteira, o personagem começa a se interessar por este tipo de mulher e passa a freqüentar reuniões de uma entidade chamada PSU (Pais Solteiros Unidos), onde conhece alguém que vai alterar definitivamente sua rotina vazia.
Filho de pais separados, Marcus tem problemas demais para seus 12 anos. Por vestir roupas fora de moda e escutar canções da década de 60, ele se destaca na escola por ser um tipo esquisito. Para piorar a situação, sua mãe — uma hippie deprimida e sem namorado — acaba de tentar suicídio. Num piquenique de pais e mães solteiros, Marcus e Will se conhecem e o desenrolar deste relacionamento é o enredo do livro Um Grande Garoto (Rocco, 267 págs.), de Nick Hornby.
Tanto o menino Marcus quanto o adulto Will possuem a mesma voz, o que pode ser compreendido como um defeito do livro ou possível falha do autor. No entanto, é possível interpretar que a soma das personalidades de Marcus com Will resulte no “protagonista” de Um Grande Garoto. Will vivia em seu apartamento tendo como companhia seriados de televisão e discos de música pop, evitando entrar em contato com a “realidade” até conhecer o “grande garoto”. Marcus estava mergulhado na vida e tinha problemas em casa e na escola, além de sentir falta da presença paterna. Assim, o garoto se refugia toda tarde depois das aulas no apartamento do adulto, que inicialmente não aceita mas aos poucos percebe que conviver com um ser humano — apesar dos atritos — é necessário.
O trintão Will tinha comportamento de adolescente e usava a mentira como escudo para se proteger das situações reais. Com a finalidade de se aproximar de mães solteiras, ele comprou uma cadeira de bebê para instalar no banco traseiro de seu carro e, assim, justificar que tinha um filho — que existia apenas em sua imaginação. Na passagem de 1993 para 1994, ele se apaixona por uma mãe solteira chamada Rachel e, partir deste fato, passa a mentir menos e até imagina ser possível se envolver com uma mulher apesar de não ter transado no primeiro encontro.
Marcus queria que seu novo amigo se casasse com sua mãe, mas Will não sentia a menor atração por Fiona. Após descobrir que Will era um falso pai solteiro — na realidade solteiro e sem filho — ela quis saber o que um adulto fazia com um garoto no final de todas as tardes. Afinal, se Will não queria casar com Fiona, por que ele iria se interessar pelo filho dela? Os dois tornaram-se amigos.
O acaso fará com que Marcus se aproxime de uma adolescente popular na escola, a Ellie, que com seus 15 anos e visual moderno conseguirá defender o garoto dos colegas inconvenientes. Filha de pais separados, Ellie aparenta viver “numa boa” e só ficará triste quando seu ídolo Kurt Cobain — vocalista da banda Nirvana — comete suicídio ao dar um tiro de revólver na cabeça. Usando o diálogo dos personagens, o autor observa como os jovens se espelham no comportamento dos artistas da indústria pop, os quais — conscientes ou não — ditam atitudes e sentimentos para seus fãs.
Não é apenas a banda Nirvana que aparece no livro. O autor utiliza outros produtos da indústria do entretenimento mundial seja para rechear as falas como também para revelar o “paladar” musical dos personagens, ou ainda com a finalidade de mostrar que as turmas reúnem pessoas com o mesmo repertório. No decorrer das páginas de Um Grande Garoto os leitores vão encontrar referências a Snoop Doggy Dogg, Michael Jackson, David Bowie, MC Hammer, Joni Mitchell, Bob Marley, além de incontáveis títulos de filmes da indústria de Hollywood. Daqui a 100 anos ou mais, um leitor poderá não saber o que significam os nomes citados. Acredito que o autor Nick Hornby quis citar artistas da década de 90 para datar sua obra. É um problema? Não.
A “estória” se passa durante o inverno, de 1993 a 1994, na cidade de Londres (Inglaterra). Mas bem que poderia ter “acontecido” em Nova Yorque (EUA), Tóquio (Japão) ou até mesmo aqui em Curitiba. Afinal, quando não estão em suas residências, os personagens bebem coca-cola no McDonald’s ou vão lanchar no Planet Hollywood, redes mundiais presentes em todos os cantos do planeta, o que faz com que o livro esteja contextualizado dentro do mundo da economia globalizada.
Ao final do enredo, os dois personagens centrais estão modificados. Will saiu da bolha de isolamento que era seu apartamento e tem possibilidade de encarar um relacionamento sem muitas mentiras. Marcus adquiriu autonomia, tem um novo visual, escuta outras músicas e pretende seguir suas próprias idéias. Se o menino precisava de um pai, o adulto necessitava de alguém que lhe empurrasse para a vida. O convívio transformou ambos.
Esse enredo foi a maneira que Nick Hornby encontrou para falar de questões do mundo contemporâneo. Um Grande Garoto aborda a dificuldade que homens e mulheres têm em se relacionar, o que resulta tanto em mães solteiras quanto em filhos de pais separados. O livro também sugere que uma vida vazia leva ao consumismo desenfreado ou, invertendo o raciocínio, que comprar produtos descartáveis o tempo todo resulta em uma existência sem graça. A obra ainda mostra que a amizade é algo raro nesse momento em que vivemos, quando poucas pessoas ousam dizer aquilo que pensam e que a regra é todo mundo ser igualmente padronizado.
É possível que Um Grande Garoto seja transformado em um filme da indústria de Hollywood, uma vez que o texto sugere um roteiro de cinema. O livro de estréia de Hornby, Alta Fidelidade, ganhou uma adaptação teatral com o título A Vida é Cheia de Som & Fúria, encenada nos palcos de Curitiba no início do ano. Quem leu Alta Fidelidade vai constatar que o inglês Nick Hornby, 43 anos, está criando um estilo inconfundível de escrever, caracterizado por um texto ágil que mistura humor com observações cruéis da realidade, embalado pela trilha sonora de sua época. Enfim, Um Grande Garoto é um retrato, se não definitivo, ao menos bem-humorado do anos noventas.