Um poeta na direção

Resenha do livro "Pontal do Pilar", de Paulo César Pinheiro
Paulo César Pinheiro, autor de “Pontal do Pilar”
01/03/2010

Um romance com cor de poema, com cheiro da melhor poesia, um romance com ritmo. Ritmo das palavras, ritmo da história, um ritmo de sensualidade, um cheiro de vida, um gosto de sonho. Pontal do Pilar, um romance a ser declamado.

O autor combinou erudição e coloquialismo. Resultado: emoção na medida exata. E essa emoção invade o leitor durante a leitura, perdura e deixa um gosto de quero mais. Doce feitiço de mestre Paulo César Pinheiro. Pelas ruas de Pontal do Pilar, o aspecto sensorial guiará o leitor. Tudo tem cor, perfume e textura nessa narrativa onde o escritor parece mais decidido a nos apresentar alguns moradores do lugar do que narrar uma história convencional. Seriam personagens comuns, não fossem a sutileza, o lirismo, o carinho e a inocência que o autor lhes empresta. Mesmo as cenas amargas são pintadas com as cores da poesia.

Impressiona também que, com uma quantidade tão grande de personagens, a emoção, o sentimentalismo da obra, aqui no melhor dos seus sentidos, não perca a força ou não soe exagerada. Não sugiro que se copie a receita, mas ela merece uma reflexão. São mais de 50 personagens, quase um vaudeville regional. Um elegante vaudeville regional. As personagens aparecem e desaparecem sem maiores aprofundamentos psicológicos e, no entanto, isso não implica em prejuízo. A subjetividade, o material, é elemento de segunda ordem em Pontal do Pilar, uma história que não se torna prolixa em instante algum. Tudo que está no livro é fundamental. É um entra-e-sai de personagens quase interminável, mas a forma como eles são apresentados não é um lugar-comum: “Branca mesmo no Pilar, de raça ariana, só havia Ninda. O que tinha de alvura tinha de sem-vergonhice. De algodão-doce a pele, de paina o lábio. Loura de milho, mas o pêlo de baixo preto como amora madura”.

Arrisco afirmar que o poeta guia o romancista. Vem daí a concisão da obra. Não há originalidade nessa história quase sem enredo, a não ser a linguagem, e isso basta. Cabe ressaltar, no entanto, que o autor trabalha com clichês dos mais batidos, que vão do erotismo destruidor ao artista conquistador — em Pontal do Pilar representado por um músico. Não estará completamente equivocado quem interpretar a história de Paulo César como uma grande sátira. Entre as várias abordagens, temos o aspecto erótico, a exagerada valorização das questões espirituais, esotéricas, ocultas etc. O mistério como razão ou justificativa de determinadas atitudes.

Pontal do Pilar é um vilarejo à beira-mar. Tem um cais do porto. Ali chegam navios cargueiros. A vila fascina um bom número de estrangeiros, europeus a maioria. Um fascínio exercido pelas riquezas naturais do lugar e pelas características do seu povo, fruto da mistura de negros e índios. Nesse cenário, o autor, a partir de um triângulo amoroso, numa alegoria à democracia, permite que todos os habitantes do lugar metam sua colher na vida desses personagens. Como é comum às democracias, e mais particularmente às democracias acéfalas, sobra espaço para tudo: tragédia, humor, drama, poesia e música. De forma caótica, ou misteriosa, mais afeita à arte, mais adequada ao clima de Pontal do Pilar.

Um triângulo amoroso. Drama, erotismo e exotismo. Seriam essas as personagens principais? Não. Pode ser até que muitos leitores lhes concedam esse status. Fruto da pressa, tão somente, pois a personagem principal deste impecável romance é a linguagem. Em vários aspectos, quer na erudição, quer no mais singelo coloquialismo, quer na forma de poema, quer no ritmo, onde o autor dá pistas de sua intimidade com a língua, ora aparece uma rima nos moldes de um poema, ora a rima aparece no meio da frase. Percebe-se, em frases que beiram o sublime, o talento de um dos maiores letristas da música popular brasileira. A forma popular de se expressar que a letra de música exige aliada ao conhecimento da língua que um poeta/letrista/romancista do quilate de Paulo César sabe utilizar.

Pontal do Pilar é um livro diferente. O diferente aqui não é o esconderijo buscado pelo crítico quando não consegue ou não quer dizer se tal obra é boa ou ruim. O diferente aqui é para dizer que Pontal do Pilar é sensacional. Dá vontade de voar para lá, conhecer aquela gente, agradecer a Paulo César Pinheiro.

Pontal do Pilar
Paulo César Pinheiro
Leya
128 págs.
Luiz Horácio

É escritor. Autor de Pássaros grandes não cantam, entre outros.

Rascunho