Um poeta em busca de si e da poesia

Resenha do livro "A memória do pai", de Álvaro Alves de Faria
Álvaro Alves de Faria, autor de “A memória do pai”
01/02/2007

Álvaro Alves de Faria é um escritor multifacetado. Sua linguagem deambula pelos territórios da poesia, da crônica, do romance, do teatro e da crítica literária. Com uma vida literária marcada por intensa participação pública, mantém contato com todas as correntes sérias da literatura brasileira, dirige um programa diário na Rádio Jovem Pan de São Paulo, onde também entrevista escritores e, vivendo uma nova fase criativa, faz uma ponte dialética entre o presente e o passado . Nos anos da década de 1960, foi preso como subversivo em razão de suas candentes dicções poéticas no Viaduto do Chá, movimento conhecido como “Sermão do Viaduto”, que repercutiu nacionalmente e representou tanto um momento de reação ao autoritarismo como oportunidade para a proclamação de uma linguagem sintonizada com as emergências de uma época e de uma sociedade que viviam profundo escalonamento de valores éticos e estéticos. Nos últimos anos, sem abandonar sua militância poética e incursionar pela nossa realidade literária, Álvaro vem publicando sua poesia em Portugal, terra de seus antepassados. Esse retorno à pátria-mãe, além de um mergulho em sua ancestralidade e uma necessidade de compreensão existencial e do lugar da poesia no mundo contemporâneo, tão fetichizado pelo deus-mercado, seduzido pela globalização e submisso à competitividade, é também uma maneira de posicionar-se contra o atual esquema editorial brasileiro, que vem negligenciando boa parte da poesia que ainda se faz no Brasil, em razão de uma lógica que busca mais o mercado do que a valorização da produção. Essa estratégica mudança de rota de Álvaro Alves de Faria levou o crítico e escritor Deonísio da Silva, em artigo no Jornal do Brasil, a considerá-lo “poeta exilado”. Seu quarto livro publicado em terras lusitanas, A memória do pai é uma busca da poesia através do encontro de si mesmo com seu passado. É o que sinaliza o autor, ao utilizar na epígrafe de abertura, um poema de Sá de Miranda: “Comigo me desavim,/ sou posto em todo perigo;/ não posso viver comigo/ nem posso fugir de mim”. Assim é que Álvaro se declara, como num encontro de contas da realidade brasileira com a memória e as raízes afetivas, empreendimento íntimo, poeticamente transcendental e arrebatador. Pois leva o autor e o leitor a descobrir, tanto nas ausências quanto nos silêncios, que a relação com o pai e o com a realidade brasileira denuncia, os verdadeiros elos que ligam todos os tempos de uma vida.

A memória do pai
Álvaro Alves de Faria
Palimage (Portugal)
70 págs.
Ronaldo Cagiano

Nasceu em Cataguases (MG). Formado em Direito, está atualmente radicado em Portugal. É autor de Eles não moram mais aqui (Contos, Prêmio Jabuti 2016), O mundo sem explicação (Poesia, Lisboa, 2018), Todos os desertos: e depois? (Contos, 2018) e Cartografia do abismo (Poesia, 2020), entre outros.

Rascunho