A primeira coletânea de contos de Luiz Bras (pseudônimo do escritor Nelson de Oliveira), Paraíso líquido, é um livro pretensioso. Nas próprias palavras do autor, fugir do lugar-comum foi o seu objetivo. No entanto, Luiz Bras, com seu livro, não se propõe a renovar a linguagem literária, ainda bem, porque de tentativas de renovação da linguagem a literatura brasileira está saturadíssima. Hoje em dia, essa prática se tornou lugar-comum entre os escritores bem pensantes. Mas afinal, depois de Guimarães Rosa e Clarice Lispector, isso seria possível?
Luiz Bras se propõe, sim, a renovar as temáticas comumente utilizadas pelos autores contemporâneos brasileiros: periferia, violência urbana, dramas conjugais, adolescentes desnorteados, sexo etc. Paraíso líquido aborda, em seus contos, o indivíduo ante as novas tecnologias, ante os avanços da medicina, ante as futuras crises sociopolíticas etc. É uma coletânea pretensiosa na medida em que se propõe a aliar o fandom ao mainstream, a alta literatura à literatura de gênero e à de entretenimento. Ora, mas ele conseguiu?
O conto que abre a coletânea, Primeiro contato, é tematicamente infantil (ou infanto-juvenil), mas com uma linguagem adulta: “Ele fala e eu vejo os estupendos anéis de Saturno a dez centímetros da ponta do meu nariz. Magníficos, esses anéis de sorvete. Ele fala e eu atravesso nuvens de poeira líquida e perfumadas caudas de cometa. Ah, sente só essa fragrância”.
O Turco, nem amigo nem inimigo de Tiago (narrador-personagem), captura o garoto de pele cinza, unhas vermelhas, olhos de gelatina e escamas nas costas. O garoto de outro planeta. O garoto extraterrestre. Será? Tiago faria tudo para ver esse garoto diferente. É em torno dessa captura e da possibilidade desse contato que a história gira.
Memórias é um conto sobre a mãe (atordoada, confusa, com falhas de memória) que mata a filha e sobre o conseqüente suicídio após a tomada de consciência de que aquela era, mesmo, sua filha. É sobre uma mulher, a mãe, cuja mente é manipulada por dois estudantes de contabilidade que, por sua vez, são manipulados por dois estudantes de engenharia.
Toda a história de Nuvem de cães-cavalos se passa no pátio externo — longe da confusão dos portões de embarque — de um aeroporto. Neste conto aparece uma personagem marcante, Nádia (Vi seus olhos. Eram os olhos mais desolados dessa manhã cinza. O cabelo não muito curto, muito negro e muito liso acentuava sua tristeza). Na conversa entre o narrador-personagem e Nádia, o leitor fica sabendo que se trata de uma história sobre testes com implantes neurológicos, os quais estavam dando maus resultados: os primeiros pacientes — milhares deles — estavam enlouquecendo de muitas maneiras dolorosas. Cria-se então o mistério: dos dois, quem seria o implantado?
Daimons é uma história sobre crianças. Amanda tem oito anos e pinga, todo dia, uma gota de veneno no café da manhã dos pais. Ela os odeia. Ela os ama. Ela herdou a neoplasia maligna deles. Ela está com leucemia. “Assassinar os pais antes que eles assassinem o mundo (…) Triste não é morrer. Triste é sair da vida sem ter compreendido um por cento do seu mistério” — são coisas que os brinquedos colocam na cabeça das crianças. São coisas que Mambo Jambo, o brinquedo, coloca na cabeça de Amanda. Daimons é um conto sobre crianças e brinquedos assassinos.
Aço contra osso é uma história sobre simulações, ou falsos outros do protagonista, com os quais ele trava uma batalha desgastante (de 45 dias). É uma batalha contra uma simulação viciada em incorporar as pessoas. É uma batalha exaustiva, porque, antes de as equações do sistema serem resolvidas, a simulação localiza a saída e escapa para outro cenário. O objetivo da batalha, para o protagonista, é a procura de sua esposa e de sua filha, que foram incorporadas pela simulação.
Com o intuito de mudar o passado (sobretudo a morte de sua filha Thaís), Zepelim, protagonista do conto Déjà-vu, viaja em busca de uma máquina do tempo, localizada em outro planeta: “Que criatura superior, que civilização estonteantemente avançada escolheria uma região como essa de um planeta como esse, bruto e irracional, em todos os sentidos, para guardar sua jóia mais preciosa?”. Essa máquina do tempo — feita de luz e sombra, cores e sabores, sons e cheiros — está no topo de um zigurate há 300 milhões de anos.
O resumo desses seis contos (num total de treze) é apenas um aperitivo de Paraíso líquido, de Luiz Bras. Para saber se o autor conseguiu ou não o que propôs (renovar as temáticas da alta literatura brasileira), e se foi competente em sua proposta, só lendo.